Entrevista

Saída de Lula para o velório do irmão não dependia de uma decisão judicial; entenda

Jurista Gabriel Sampaio explica que a própria Superintendência da Polícia Federal poderia dar cumprimento à norma

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Ex-presidente Lula está preso há 301 dias
Ex-presidente Lula está preso há 301 dias - Brasil de Fato

A postura do Judiciário brasileiro diante do pedido do ex-presidente Lula (PT) para participar do velório do irmão mais velho foi "vergonhosa" e "constrangedora", na avaliação do jurista e ex-membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Gabriel Sampaio. Segundo ele, o artigo 120 da Lei de Execuções Penais garante o direito de velar familiares próximos e deixa claro que "a permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso".

Relembre o caso

Lula solicitou o direito de deixar a prisão para acompanhar o velório e o enterro do irmão Genival Inácio da Silva, conhecido como Vavá, em São Bernardo do Campo (SP), na terça-feira (29). O direito é garantido a todos os presos em regime fechado, semiaberto, e a presos provisórios.

A Polícia Federal (PF) negou o pedido alegando que não havia helicóptero e nem uma equipe capaz de fazer a escolta. O Ministério Público publicou um parecer ressaltando os “obstáculos técnicos” que impediam a ida do ex-presidente ao velório. Diante disso, a juíza Carolina Lebbos, da Vara de Execuções Penais, negou o pedido de Lula, afirmando que não seria possível “garantir a integridade física do ex-presidente”.

Na madrugada da quarta (30), durante o velório, o juiz Leandro Pausen, do Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4), em segunda instância, também se posicionou contra a ida de Lula ao velório e ao enterro. Porém, ao final da manhã da quarta, faltando menos de 20 minutos para o enterro, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, autorizou a saída de Lula -- apenas para se encontrar com parentes em uma unidade militar, sem declarações públicas ou filmagens.

Revoltado com o direito restringido, e ciente de que o irmão já fora sepultado, o ex-presidente não aceitou viajar.

Confira a análise do jurista Gabriel Sampaio, que conversou com o Brasil de Fato sobre a polêmica da semana:

Brasil de Fato: O que estava em jogo nessa negativa?

Gabriel Sampaio: É um episódio muito constrangedor para o sistema de justiça do Brasil. Eu diria até que é constrangedor para o Estado brasileiro. As justificativas constrangem as próprias instituições que se posicionaram sobre a negativa do direito do presidente Lula.

A Polícia Federal, o Ministério Público e os magistrados que referendaram os argumentos restritivos ao direito acabam escrevendo uma página triste no Estado de Direito no Brasil.

Qual direito foi violado?

É um direito que já é positivado na Lei de Execuções Penais. Para além disso, é um princípio humanitário mais que milenar, que é sepultar os entes próximos. Isso evidencia, de um lado, uma falha institucional muito grave. Principalmente da Polícia Federal, que se coloca para a sociedade como uma polícia "de excelência", uma polícia que age com prontidão diante de uma série de ações. Ter a incapacidade de assegurar a um preso o direito de velar um irmão demonstra uma fragilidade institucional muito grande.

Essa decisão de liberar o Lula para o velório é administrativa, ou precisava de um aval de juiz?

Sim, a própria Superintendência da Polícia Federal poderia se organizar para dar cumprimento dessa norma, como prevê o artigo 120 da lei de Execuções Penais.

E o que podemos concluir?

Das duas, uma: ou demonstra uma fragilidade, ou demonstra um tom persecutório -- que é o que eu acredito. 

De modo geral, o direito de velar familiares é respeitado no Brasil?

Em 2015, segundo os dados do Infopen, 175 mil presos tiveram esse direito assegurado. Quando o Brasil estava na ditadura, em uma prisão que era abertamente política, ele [Lula] pôde acompanhar o enterro da sua mãe. Agora, evidencia que há uma perseguição à figura do presidente Lula.

É um direito natural, um direito milenar, respeitado por todos os povos, em todas as eras de organização social -- até em situação de guerra se respeita o direito de velar algum ente querido que morreu.

Ninguém prevê a morte de um ente querido, e é justamente por isso que a sociedade investe em instituições que tenham condições de cumprir a lei.

A Polícia Federal justificou que não tinha condições de levar o Lula até o velório.

É até curioso. Para atender a uma demanda bastante incerta que, era a prisão do Cesare Battisti, havia um avião de prontidão -- e, ao que se sabe, estava com o translado preparado para levar alguém até a Bolívia. Como é que para efetivar um direito garantido não tem estrutura?

O governo diz que Lula não é um preso político. O que está por trás dessa categorização?

No caso do presidente Lula, há uma conotação política muito forte. O Brasil, nas suas cortes superiores, tinha o entendimento da presunção da inocência, e de que a execução da pena só ocorreria após o trânsito em julgado da sentença. Uma mudança jurisprudencial ocorreu muito próximo da prisão do presidente Lula e, toda vez que se discute a possibilidade e até a formação de uma nova maioria no Supremo que possa recuperar esse histórico jurisprudencial, sempre existe aquele pano de fundo da prisão do presidente Lula que acaba influenciando no debate da matéria.

Quando houve o processo eleitoral, foi negada a possibilidade de o presidente Lula dar entrevistas -- que ocorreriam dentro do ambiente prisional. Algo que já foi assegurado para tantos outros presos, que apareceram em rede nacional dando entrevistas para órgão de imprensa de grande alcance...

Há outros exemplos demonstram que é uma prisão política?

Gabriel Sampaio: A própria condenação e o acórdão que confirmam a condenação do presidente Lula, que são criticados por diversos juristas, sem considerar questões ideológicas, mas de juristas que questionam as bases jurídicas da condenação do presidente Lula. Ela é permeada por conceitos bastante frágeis do ponto de vista da doutrina, do direito e da interpretação do direito. 

Edição: Daniel Giovanaz