LITERATURA

"Literatura de mulheres negras pode criar outro mundo possível", diz Bianca Santana

Autora de "Quando me descobri negra" reflete sobre o espaço editorial para autoras negras no Brasil

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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"Quando me descobri negra" ficou na 3ª posição na categoria Ilustração do prêmio Jabuti, em 2015
"Quando me descobri negra" ficou na 3ª posição na categoria Ilustração do prêmio Jabuti, em 2015 - Divulgação

Convidada do No Jardim da Política da última quinta-feira (31), a escritora e cientista social Bianca Santana refletiu sobre o espaço da mulher negra no mercado editorial brasileiro.

Autora do livro "Quando me descobri negra", publicado em 2015 pela editora Sesc, a obra foi premiada na categoria Ilustração, realizada por Mateus Velasco.

Além disso, ela está escrevendo a biografia da ativista e filósofa Sueli Carneiro, que será lançado neste ano pela Companhia das Letras.

Confira alguns trechos da entrevista:

Brasil de Fato: Como você acha que seu livro impactou outras pessoas que também se descobriram negras a partir dessa leitura?

Bianca Santana: Ele é um livro de pequenos relatos, com histórias bem cotidianas, que se aproxima da crônica, em que eu não nomeio a situação como racista, mas eu vou contando episódios que muitas pessoas ao lerem se identificam e falam " já vivi uma coisa muito parecida com essa ou eu fui afastada de alguma possibilidade e não entendia direito o por quê. Quando eu li, aquilo organizou dentro de mim e eu compreendi que foi uma experiência racista". Tenho ouvido esses relatos de muitas pessoas e, dependendo da faixa etária, as pessoas se impactam mais com alguma narrativa ou outra.

Às vezes achamos que as pessoas são impactadas da mesma maneira, mas nem sempre isso acontece.

Exatamente. Quando a gente fala do racismo parece uma abstração muito grande. Há dificuldade em compreender como esse racismo institucional, essa palavra grande e difícil, se manifesta na vida das pessoas. E como é que você percebe aquilo que você está vivenciando como racismo. Porque muitas vezes, ele não é nomeado ou explícito. Alguém não é racista porque olha pra você e fala “ah, sua preta, nojenta, sai daqui”. Muitas vezes é um comentário que pra quem ouve pode parecer algo muito sutil, mas que fica ali explícito, o quanto aquele lugar não é pra você ou quanto alcançar determinado direito também não é uma possibilidade, e muitas vezes alguém com pouca debate político, não consegue dimensionar aquilo. Até eu ter contato com o movimento negro, até eu entrar na Universidade, me aproximar da EducAfro, eu não compreendia como é que o racismo operava.

O livro, contando as histórias pequenininhas e não fazendo um relato teórico, aproxima algumas pessoas, especialmente aquelas que ainda não têm uma trajetória no movimento social ou na política, e aquelas também que não estão acostumadas a ler textos muito longos ou muito densos.

Depois do lançamento do livro, do 3º lugar no Jabuti 2016, fico interessado em saber como se deu o espaço no mercado editorial, mas com duas dúvidas: o espaço editorial para a mulher negra e o espaço para temas da negritude. Particularmente para você. Como se deu isso? Há uma visão geral de como é o mercado hoje?

Pelo que tenho observado, ainda não dá para ver nas pesquisas acadêmicas, mas esse mercado percebeu que o texto de mulheres negras vende e que importa para as pessoas. Então, não à toa, você consegue ver, mais recentemente nas grandes editoras, um maior número de publicações de autoras negras e até uma demanda dessas editoras. É um nicho de mercado, mas acho também que as pessoas começam a compreender a importância da temática racial no Brasil. Acredito que essas duas coisas estão acontecendo. E muitas mulheres que escrevem há tanto tempo. No doutorado tenho mapeado textos de mulheres no século 18, como a Maria Firmino que publicou Úrsula em 1859., Mas, ao mesmo tempo, 1% do romance brasileiro é escrito por mulheres negras. Mesmo as personagens também refletem isso. Você não tem mulheres negras protagonistas. A pessoa que publica romance em larga escala é muito caricato. Homem, jornalista ou publicitário, e os personagens seguem esse perfil. É uma falta de repertório e diversidade que impacta todos nós, que somos leitores. Mas o mercado editoral tem descoberto e valorizado essas mulheres negras que escrevem há algum tempo.

Como ser resistência em tempos tão sombrios, principalmente no campo da cultura?

Esse período tenebroso da história do Brasil é vivenciado por pessoas negras e mulheres negras de maneiras distintas e há muito tempo. Mesmo nos governos que a gente defende, progressistas, a violência policial foi enorme, o encarceramento foi grande, o assassinato de mulheres negras cresceu. Então, mesmo quando era bom, para nós não era tão bom assim. É óbvio que nós sabemos pontuar a diferença e perceber como agora é muito pior. Mas resistir nós sabemos. A minha sensação é que literatura de mulheres negras nos permite acessar um repertório de luta, além de criar mundos possíveis, apesar da barbárie. O quilombo é uma possibilidade quando tudo parece destruição, como disse a escritora Beatriz Nascimento. A gente precisa construir nossos quilombos.

Edição: Michele Carvalho