Maria Cecília Guedes, de 19 anos, é moradora da favela de Cerro-Corá, localizada no bairro Cosme Velho, zona Sul do Rio de Janeiro. Quando ainda cursava o penúltimo ano do ensino médio no Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET/RJ), ela passou a frequentar as aulas do cursinho comunitário pré-vestibular mais próximo da sua casa. “O pré veio como um complemento muito bom para mim na área de humanas, principalmente de geografia que eu era uma negação”, lembra a estudante recém-aprovada no curso de Engenharia Mecânica da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Desde 2016, a partir de uma mobilização dos moradores em parceria com o Levante Popular da Juventude e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Pré-vestibular Popular de Cerro-Corá, Guararapes e região acumula 15 aprovações em universidades públicas do Rio. O projeto conta com professores voluntários que lecionam disciplinas voltadas para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e a formação crítica dos estudantes. Cecília faz parte do time das cinco meninas que estudaram no cursinho no ano passado e que vão ingressar em diferentes cursos de graduação da UERJ neste ano.

A ajuda na rotina de estudos, o incentivo das aprovações anteriores e a questão financeira são fatores determinantes na busca por alternativas aos elevados custos da educação privada. A mensalidade de um pré-vestibular particular pode chegar a R$ 800 em média na cidade do Rio. Nesse sentido, democratizar o acesso à universidade é o objetivo das aulas que acontecem na Associação de Moradores de Cerro-Corá.

“Se daqui a cinco anos a gente tiver 30 pessoas do morro fazendo universidade vamos estar com a tarefa cumprida. Nesse processo de ir formando as pessoas a gente também cria frutos”, destaca o morador da favela carioca e um dos coordenadores do projeto Janderson Dias, de 29 anos. Em 2016, ele também foi aluno do cursinho e atualmente faz graduação em História na UERJ. 

Para este ano, Dias pretende iniciar o ano letivo acompanhando as turmas de perto e dando aulas. Também há expectativa do pré-vestibular de Cerro-Corá abrir aos sábados, com atividades de reforço para tirar dúvidas e também tentar incluir os moradores que não podem ir durante a semana. “Tem vários níveis de escolaridade aqui no morro, de adultos que estudaram até a 3ª série, por exemplo, então sempre há demanda”, pontua.

Vila Isabel

No Morro dos Macacos, zona norte da cidade, Agatha Fidelis, de apenas 16 anos, estudou no VIVE - Vila Isabel Vestibulares e foi aprovada em Pedagogia na UERJ. “Sempre que eu passava pela UERJ [localizada no Maracanã, próximo a Vila Isabel] me imaginava mais velha entrando lá pra estudar”, conta.

“Os pré-vestibulares comunitários vão ao encontro justamente desses alunos, os que vêm de escola pública como eu e desejam cursar uma faculdade, e todos que tem esperança de crescer através dos estudos e não tem condições de arcar com um curso preparatório”, resume a jovem universitária que hoje faz planos para próxima graduação em Matemática.

O VIVE completa 20 anos de atividade no Morro dos Macacos em 2019. Desde a inauguração, funciona na mesma sala do Centro de Referência da Pessoa com Deficiência (CRPD). Para Aline Julia, 27 anos, os resultados são sempre gratificantes. Ela ajuda na coordenação do cursinho desde 2010. Foi aluna, passou no ENEM para Fisioterapia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2012 e hoje continua ministrando aulas de química orgânica.

“Temos desde alunos que ainda estão cursando o ensino médio e não sabem o que querem fazer no vestibular, até pessoas mais velhas que estão há anos longe das carteiras escolares”, afirma. A princípio, ela explica, o VIVE começou com os mesmos professores da Associação Mangueira Vestibulares (AMV) em 1999 – um dos mais antigos pré-vestibulares do Rio de Janeiro que encerrou as atividades após 23 anos. Depois, “até mesmo ex-alunos e ex-alunas retornam para dar aulas”, conta.

Maré

No Complexo de Favelas da Maré, também na zona norte do Rio, o Curso Pré-Vestibular (CPV) é outro patrimônio reconhecido pela entrada de mais de mil pessoas no ensino superior. Em 2018, foram 64 aprovações, mas a contagem continua em aberto. Segundo o coordenador político-pedagógico do CPV da Maré, Ernani Alcides da Conceição, do quadro de 21 professores, 10 são ex-alunos.  

Ele lembra que em 1997, menos de 1% dos moradores da Maré havia ingressado no ensino superior. Hoje, o percentual contempla 2,3% da população de acordo com o Censo Maré. Ernani Alcides, 61 anos, leciona história geral e filosofia.

“Nosso papel é criar condições para que as pessoas desenvolvam mais essas habilidades do conhecimento na dimensão que eles desejarem. Porque é um direito de qualquer pessoa, não existem seres humanos que foram feitos pra ir pra universidade e outros não”, declara o professor formado em Ciências Sociais e pioneiro do curso pré-vestibular Rede de Saberes, que deu origem ao Redes da Maré.

Inscrições

As inscrições para o Pré-vestibular Popular do Cerro-Corá estão abertas até o dia 8 de março. Moradores da região e também dos arredores podem se matricular por um formulário na internet ou ir diretamente na Associação de Moradores, segundas e quartas-feiras, de 18h às 20h, e sábados, de 10h às 11h.

Quem tiver filhos não precisa deixar de se matricular, a organização afirma que as crianças serão cuidadas durante o horário das aulas. As atividades começam no dia 11 de março, de segunda a sexta, das 19h às 22h.

Já o VIVE – Vila Isabel Vestibulares as matrículas acontecem entre os dias 4 e 8 de fevereiro no mesmo endereço das aulas, na Rua Correia de Oliveira, nº 21, das 19h às 21h. O ano letivo começa no dia 11 de fevereiro, às 19h. Além das redes sociais, o boca a boca na semana que antecede o início das inscrições e um mutirão que sobe o Morro dos Macacos colando cartazes espalha a notícia.

O Curso Pré-Vestibular da Maré mantém cinco turmas: três na sede da Redes em Nova Holanda, uma na Vila dos Pinheiros e outra na Associação de Moradores da Vila do João, com 286 alunos ao todo.

 

Edição: Mariana Pitasse