A crise na Venezuela é tema recorrente e as ameaças dos Estados Unidos têm ganhado mais intensidade e amplitude. A discussão é sobre o que se passa no nosso país vizinho e as razões para o que, para muitos, seria uma ajuda humanitária dos EUA, mas que, na verdade, é o imperialismo em ação. E essa ação é movida por uma palavra: petróleo. O resto é bobagem, grande parte são álibis ou novas “armas de destruição em massa” em versão revisitada.
Por isso, a frase “É a economia, estúpido!”, anunciada pelo assessor do candidato Bill Clinton, James Carville, na campanha presidencial estadunidense de 1992, volta à tona. O slogan resumia o fator decisivo para a vitória de Clinton sobre George Bush: os eleitores estavam mais preocupados com a crise econômica do que com o triunfo de Bush na Guerra do Golfo.
::: Leia mais: O que está acontecendo na Venezuela? :::
Ainda na primeira guerra mundial colocou o domínio do petróleo no terreno da estratégia militar. Os enfrentamentos marítimos demonstraram a superioridade dos navios de guerra britânicos, movidos a motor de combustão, em detrimento dos navios alemães a vapor. Essa superioridade era alcançada na potência – velocidade – dos motores e, consequentemente, maior capacidade de “guerrear” nos mares.
Até a segunda guerra mundial, os EUA eram o país que mais exportava petróleo. Aliás, não só petróleo, mas o modelo do motor a combustão e do veículo rodoviário para carga e transporte, modelo dominante nos países até hoje, como é o caso brasileiro. A segunda guerra também elevou o papel estratégico do controle das reservas, produção, refino e distribuição do óleo. Hitler define a Operação Barbarossa em parte para alcançar o petróleo da região de Baku.
Findou a segunda guerra e a luta pelo controle de grandes reservas – concentradas no Golfo Pérsico, Mar Cáspio, Golfo do México, sudeste asiático e mais adiante na América do Sul – foi determinante para a promoção de guerras locais, golpes de Estado e invasões. Sobretudo perpetrados pelos EUA. O livro Petróleo e Poder, do professor da UFABC Igor Fuser, e o já clássico Petróleo: Uma história mundial de consquistas, poder e dinheiro, de Daniel Yergin, são bons exemplos para quem deseja se aprofundar no tema.
O fim da segunda guerra traz o crescimento das empresas controladas pelos EUA. E é nesse contexto que nasce uma política a partir de um país com descobertas recentes em grande volume: a Venezuela. A nação sul-americana já vivia como um exportador dependente de petróleo; estima-se que já no começo dos anos de 1940 a Venezuela tinha 90% da receita de exportação do petróleo. Também protagonizou uma disputa pela renda petroleira e, entre 1943 e 1948, rivalizou, em meio a golpes de Estado, uma política que ficou marcada como “fifty-fifty”, ou seja, para o Estado venezuelano ficar com 50% da renda e as empresas (norte-americanas) com a outra parte. Isso influenciou os demais países produtores e marcou a história da indústria petrolífera no mundo.
O final dos anos de 1950 ficou marcado por golpes, atentados contra presidentes, estímulo a guerras regionais e foi o momento do nascimento da organização dos países com alta produção para exportação e baixo consumo: nasce a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que atrai a sanha golpista, imperialista, para seus países; além de todos os alvos de campanhas regulares de desestabilização, golpes de estado e guerras.
Por isso, desde os anos 1950, os países – e povos – detentores de riquezas, especialmente o petróleo, viveram sob constantes ataques vindos dos países consumidores – as grandes potências militares, econômicas, tecnológicas e políticas do mundo. É possível identificar uma linha muito nítida: ou esses países se subordinaram aos EUA (e residualmente à Inglaterra, à França e a Alemanha) ou foram (e são) alvo de ataques.
Esse quadro acompanhou os grandes produtores nas décadas seguintes, mas após o fim da União Soviética, em 1991, os EUA figuraram como força superior e perpetraram ataques ainda mais contundentes e explícitos: guerra do Golfo (1990), invasão do Kuwait pelo Iraque (1991), Iaque (2003), Líbia (2011), Síria (2011) e muitas ações de desestabilização econômica, social e política, centralmente na Venezuela desde 2002.
Os números podem nos ajudar a entender esse quadro.
Os EUA são os maiores consumidores de petróleo do mundo: 7,2 bilhões de barris por ano. E detêm em reservas provadas um total de 32,7 bilhões de barris, ou o equivalente a 4,5 anos de consumo no ritmo atual. O país exporta petróleo de má qualidade e importa de boa, mas é dependente da importação e isso o obriga a buscar petróleo no Golfo Pérsico. Anualmente, os EUA importam sozinhos mais de 2,9 bilhões de barris, sendo que destes aproximadamente 500 milhões de barris são importados da Venezuela.
Já a Venezuela é o país com a maior reserva provada de petróleo do mundo: 302 bilhões de barris, ou o equivalente a dez vezes as reservas dos EUA e o equivalente a 1,6 mil anos de consumo de acordo com o padrão atual.
Importante observar que o petróleo da Venezuela tem um custo de transporte inferior ao importado do Golfo Pérsico e com um tempo muito reduzido entre a produção e a entrega, reduzindo riscos ambientais (a maior parte dos acidentes é no transporte).
E o petróleo da Venezuela é estatal (residualmente com contratos de serviços e outras modalidades), ou seja, é uma área que o Estado controla a produção, a distribuição e o destino da renda, renda essa obtida diretamente da venda do óleo. O que significa que o país vizinho tem um projeto soberano para o petróleo. Para sua glória ou, a depender dos EUA, sua tragédia.
A guerra contra a Venezuela é um fato notório, ainda não explícita com ataques militares, mas econômica, política, diplomática, de sabotagem e de destruição da infraestrutura nacional para criar o velho clima de crise total legitimadora de uma ação militar. Isso é uma tática sofisticada e que já foi utilizada em grande parte dos golpes militares, todos, sem exceção, com a participação ativa do departamento de Estado dos EUA, da CIA e do Pentágono, ou o que o Eisenhower, em seu discurso de despedida, chamou de complexo industrial-militar dos EUA.
O comandante Ernesto Che Guevara, em discurso na ONU em 1964, nos alertava que: “No se puede confiar en el imperialismo, ni tantito así… Nada!”. Não tem ajuda humanitária, senso de democracia, arautos da justiça e das boas práticas: é a guerra por petróleo e nada mais do que isso. Como dizem os venezuelanos: Yankees, go home!
*Ronaldo Tamberlini Pagotto é advogado em São Paulo, mestrando em Geopolítica do Petróleo na UFABC e compõe a Direção Nacional da Consulta Popular.
Edição: Vivian Fernandes