O rompimento de uma barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG), na última sexta-feira (25), reacendeu o debate sobre a importância de medidas legislativas que imponham limites mais rígidos à atividade da mineração, com o objetivo de proteger os recursos naturais e as populações que residem em áreas próximas a esses empreendimentos.
O avanço de propostas dessa natureza esbarra, no entanto, na pressão exercida pela indústria da mineração sobre políticos e órgãos públicos para garantir que os interesses das empresas do setor prevaleçam sobre a proteção ao meio ambiente e os direitos das populações locais.
Mais conhecido como lobby, esse tipo de prática tem provocado a lentidão ou mesmo a interrupção na tramitação dos projetos de lei com esse perfil.
No caso de Minas Gerais, por exemplo, uma comissão criada na Assembleia Legislativa do Estado (ALMG) no final de 2015 para fazer estudos e propor medidas de monitoramento da atividade ainda não conseguiu entregar o resultado esperado: dos três projetos de lei que constavam no relatório final dos trabalhos, apenas um foi aprovado até o momento.
As propostas que estão com a tramitação parada na Casa abordam questões como: endurecimento das normas de licenciamento; imposição de regras mais rígidas de segurança para barragens; criação de uma política estadual para proteger atingidos por barragens; e proibição da existência de barragens com alteamento a montante – construções em que a compactação do sedimento se dá próximo à parede de contenção, como é o caso da barragem que rompeu na última sexta, em Brumadinho.
O relator da comissão, deputado estadual Rogério Correia (PT), destaca que é sempre um desafio emplacar esse tipo de medida em um estado que tem 10% do Produto Interno Bruto (PIB) representado pela mineração, mesmo que o modelo adotado pelas empresas do setor seja fortemente criticado pelo campo popular, que também questiona a perspectiva de desenvolvimento adotada por esse tipo de indústria.
“O lobby das mineradoras acoplado a um discurso de desenvolvimento e de necessidade econômica do estado e das mineradoras é o responsável pelo fato de as coisas não andarem. Esses dois projetos [que estão parados] são essenciais, mas nós não conseguimos aprovar, mesmo com o crime de Mariana. Minha esperança é que agora a pressão popular e social seja grande e [a Assembleia os] aprove”, afirma Correia.
No caso da comissão da ALMG que tratou das barragens, 19 dos 22 deputados que integravam o colegiado haviam recebido doações financeiras de mineradoras na campanha eleitoral de 2014, segundo dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Essa realidade abrangia membros de diferentes partidos – DEM, MDB, PSB, PPS, PP, PV, PSD, Pros, PCdoB e PT, alguns dos quais com dissidências internas em relação ao tema.
Um deles, o PL 3676/2016, teve um substitutivo rejeitado, em julho do ano passado, pela Comissão de Minas e Energia. O documento, apresentado pelo deputado João Vítor Xavier (PSDB), tinha o apoio do Ministério Público, do Ibama e ainda de mais de 50 entidades de caráter ambiental vinculadas à campanha “Mar de lama nunca mais”, lançada em 2016, após o crime socioambiental de Mariana.
“Esse projeto veio de um processo muito bonito de intensa participação das organizações que acompanham a pauta em Minas Gerais, e foi recortado, completamente desfigurado, e agora acontece Brumadinho. É como se as pessoas não tivessem o direito de dizer ‘não’, como se não houvesse a possibilidade de outro modelo [de mineração] melhor, com mais retorno para o país e com muito mais controle em cima das empresas privadas de mineração”, afirma Maria Júlia Andrade, da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Congresso Nacional
O drama que resulta da relação entre parlamentares e empresas de mineração se repete no cenário nacional. No Senado, por exemplo, o PLS 224/2016, que tornava mais rígidas as normas da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), foi arquivado no final de 2018.
De autoria do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), a proposta era resultado de uma comissão que havia debatido a questão da segurança das barragens após a tragédia de Mariana, em 2015, e tinha recebido parecer favorável do relator, Jorge Viana (PT-AC), mas, por falta de interesse político, não chegou a ser votada pela Comissão de Meio Ambiente e teve como destino o arquivamento.
Na Câmara, as barreiras políticas impostas a esse tipo de medidas são as mesmas. O PL 10.874/2018, que proíbe a mineração num raio de 10 km no entorno de unidades de conservação, está parado na Comissão de Minas e Energia.
A situação é semelhante à do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 973/2018, que suspende o trecho de um decreto assinado por Michel Temer (MDB) que permite a atividade minerária em reservas nacionais.
Proposto pelo deputado Chico Alencar (Psol-RJ), o PDC foi protocolado em junho de 2018 e recebeu o primeiro despacho somente cinco meses depois, em novembro, quando foi encaminhado para a Comissão de Minas e Energia, onde está parado.
O tempo contrasta com a velocidade observada na tramitação de outras medidas. A reforma trabalhista, por exemplo, foi encaminhada pelo governo de Michel Temer durante o recesso legislativo de dezembro de 2016 e despachada logo no retorno das atividades parlamentares de 2017, em fevereiro. Em abril, a proposta foi votada pelo plenário da Casa e encaminhada para o Senado, onde foi definitivamente aprovada em julho do mesmo ano.
Chico Alencar destaca que os projetos que visam à imposição de limites mais rígidos para a mineração estão entre os mais dificultosos em termos de aprovação no Congresso.
“A maior dificuldade é exatamente a servidão, a dependência, o espírito de subordinação da maior parte dos deputados e seus partidos em relação aos interesses das grandes mineradoras, que, no tempo da permissão do financiamento empresarial, mantinham esses deputados garantindo suas campanhas com somas altíssimas”.
A declaração do deputado encontra referência nos números. A comissão instalada pela Câmara em 2014 para discutir um novo marco regulatório da mineração, por exemplo, era hegemonizada por parlamentares que haviam sido financiados por mineradoras.
Um dossiê lançado no mesmo ano pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que reúne mais de 120 organizações, expôs o jogo de interesse que dava a linha dos trabalhos do colegiado: ao todo, 20 dos 27 membros titulares haviam recebido dinheiro de empresas do setor em suas campanhas eleitorais.
O rol continha, inclusive, o relator da comissão, Leonardo Quintão (MDB-MG), o presidente, Gabriel Guimarães (PT-MG), e o vice, Marcos Montes (PSD-MG). A presença deles e dos demais foi questionada pelo Comitê, que chegou a entrar com uma representação na Casa para pedir a retirada de Quintão.
A escolha de um deputado com esse perfil para a relatoria feria o Código de Ética da Câmara, mas a petição foi arquivada pelo então presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (MDB-RN). O caso chegou também ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio de um mandado de segurança, mas o processo não foi julgado e terminou no arquivo da instituição.
Entre os 20 parlamentares da comissão financiados pela mineração, dez tiveram 20% ou mais do financiamento garantido pelo setor. Um deles, o deputado Guilherme Mussi (PP-SP), registrou o maior percentual, com 77% da campanha custeada por empresas do ramo. Considerando o espectro total dos 20 deputados, a Vale foi a maior doadora, com um total de R$ 22,6 milhões investidos.
A relação entre mineradoras e deputados da comissão estava presente entre membros de 13 partidos: MDB, PSDB, DEM, PSD, PV, PT, PRB, PTB, PP, PR, PSB, PTdoB e PDT.
Chico Alencar, que integrou a comissão, aponta que o lobby do setor age com força nos bastidores do Congresso, na tentativa de acompanhar a atividade dos parlamentares e evitar a aprovação de medidas que fujam do escopo previsto para o campo empresarial.
“As grandes mineradoras, notadamente a Vale, têm uma equipe de ‘assessoria parlamentar’, que existe pra defender os interesses da empresa, monitorar todo projeto que possa contrariar seus interesses, que possa, na linguagem deles, prejudicar sua atividade econômica. É um monitoramento e um acompanhamento importantes e [elas têm] porta aberta junto a esses deputados, que são maioria. Então, têm um poder de fogo, um lobby muito estruturado e muito poderoso”, explica Alencar.
O financiamento empresarial de campanha foi proibido pela Justiça somente em setembro de 2015, portanto, após a campanha eleitoral de 2014, que definiu a composição da última legislatura.
Edição: Mauro Ramos