“Das 250 pessoas que deviam estar trabalhando lá naquele momento, eu conhecia 251”, diz com os olhos embargados e fixos para o mar de lama um dos moradores de Brumadinho que acompanhou a tragédia desde o primeiro minuto. Trabalhador há 23 anos da mina – que opera desde 1956, sendo que desde 2003 sob direção da Vale – ele pediu para não ter seu nome publicado, por isso, vamos chamá-lo de João. “Eu ainda trabalho lá, né?”. O receio de represálias se repetiu com inúmeros outros entrevistados.
No burburinho que se formou em frente ao local de onde podia se ver um dejà vú doloroso de Bento Rodrigues, cada hora chegava um comentando que não tinha notícias do colega. Todos repetiam nomes de conhecidos, que não respondiam pelo rádio, celular, nada. “O Cláudio e o Levi tão lá”. “E o Marquinhos?”. “Nada ainda”. A angústia aumentava quando tentavam mostrar onde os trabalhadores estariam: só dava para ver lama, nem sequer uma ponta de telhado onde seria o refeitório.
João estava de folga e se assustou quando ouviu um estrondo bem perto de sua casa. Era a lama que chegava, desaparecendo com asfalto, córrego, o restaurante onde centenas de pessoas almoçavam, criações, casas. “Se tiver vida, tem que socorrer”, pensou, e se embrenhou para salvar dois cachorros. Um pouco depois, ouviu que uma moça estava soterrada e correu para lá para ajudar no resgate.
Essa moça era vizinha de Lucas Teixeira, que morava há 8 meses numa casinha em frente a uma horta e um bananal, perto de um curral. Nada disso dá para ver agora. Por volta de meio dia, ele estava arrumando uma cerca na região e ficou sabendo da tragédia. “Cheguei ali em cima e já vi minha esposa cheia de barro, chorando”. Ficou sabendo em seguida da vizinha, que estava no quarto quando a água barrenta veio e jogou tudo o que tinha em volta e em cima dela. “Ela estava só com a cabeça pra fora”, lembra. Lucas e outros vizinhos, como João, correram para ajudá-la.
Ele tirou o que conseguia da casa e foi para casa do sogro. “Ir pra onde depois, não sei”. Lucas trabalhou um tempo na Vale e lá ouviu que se algo do tipo acontecesse seria disparada uma sirene, um sinal. Nada aconteceu. “Só queria pedir que eles refletissem sobre o estrago que fizeram”, diz.
No lugar da sirene, o silêncio
Nem Lucas, nem sua esposa, nem a moça soterrada, nem João, nem ninguém ouviu nenhum tipo de sinal. De novo, não houve sirene, assim como no caso do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana. Depois de novembro de 2015 e do até então pior crime ambiental da história do Brasil, o procedimento de realização de simulados de emergência passou a ser prática das mineradoras.
Uma empresa foi contratada para fazer um exercício do tipo na região. Um dos técnicos que fez o treinamento ali, no Córrego do Feijão, voltou para a região para tentar entender o que aconteceu. Ele, que também pediu para não ter seu nome publicado, explicou que o primeiro passo do procedimento é o acionamento de uma sirene ou, pelo menos, de uma buzina bem alta. Depois, há placas, sinalizações, indicações de lugares para ir, estudos sobre o impacto e alcance possível de cada rompimento.
“A finalidade dos simulados é dar uma alternativa para a pessoa se salvar. É um treinamento para que a pessoa não fique muito atordoada e saiba o que fazer. E aqui parece que as pessoas não tiveram essa alternativa. Quando rompe é muito rápido o fluxo de água”, diz.
Uma das pessoas que participou do simulado, Cleiton de Oliveira Santos, trabalha há quatro anos na limpeza dos vagões. Sexta era seu dia de folga. Depois de ficar na empresa até tarde na véspera, ele acordou com a mãe o chamando. Foi para rua e viu um monte de gente correndo. “Não teve sirene, não teve nada. Todo mundo que morava embaixo, correu lá pra cima, no desespero”.
Resgate e assistência
O governo de Minas divulgou, na noite dessa sexta-feira, o número de sete mortes, ainda sem identificação. De acordo com a nota divulgada, um grupo de 100 pessoas ilhadas foi resgatado ainda na sexta. Segundo dados da Vale, havia 427 pessoas no local, e 297 foram resgatadas com vida.
O Corpo de Bombeiros solicitou à empresa o nome dos 150 considerados desaparecidos. Há um contingente de 100 bombeiros no local, e o número deve dobrar na madrugada. A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) informou que desligou o fornecimento de energia na região e que vai desligar a rede elétrica no curso dos rejeitos, por questões de segurança. Segundo o governo de Minas, há cinco torres de iluminação para auxiliar os trabalhos de resgate durante a noite. A Copasa informou que o fornecimento de água não foi interrompido.
Edição: Luiz Felipe Albuquerque