Os moradores da cidade de Cabedelo, município portuário próximo à capital paraibana, estão indignados com a obra de triplicação da BR-230, que já está em andamento. Isso porque tal intervenção, executada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit), do governo federal, vai desalojar centenas de moradores das margens próximas à rodovia. A questão mais sensível é no trecho urbano da cidade de Cabedelo, onde os moradores podem ser despejados sem nenhuma indenização e sem nunca terem visto ou tido acesso ao projeto de expansão da BR-230. “Tomamos informação desse projeto em 2013, através de um órgão aqui da Prefeitura de Cabedelo. Nós fomos informados de que haveria um projeto de triplicação do trecho 0 a 28, da BR-230, portanto quilômetro zero na cidade de Cabedelo, e que iria trazer impacto. Em 2007, nós criamos uma associação para atuar na área de controle social do poder público, fazendo um trabalho de fiscalização desses atos, uma vez que isso é cidadania. Fizemos diversas audiências e pedimos apoio de deputados estaduais nessa causa”, explicou Ernesto Luiz Batista Filho, vice-presidente da Associação Cabedelense para a Cidadania (ACICA).
Os recursos do orçamento da cidade de Cabedelo são bastante elevados dentro do estado da Paraíba. “Temos uma renda per capita alta, uma arrecadação enorme e infelizmente os desvios aqui sempre ocorreram ao longo da história da cidade. Criamos a Acica para atuar incidindo neste orçamento e na preocupação com o meio ambiente. Também nos organizamos para lutar contra a importação do petcoke (subproduto do processo de refino do Petróleo) e importação de cimento, que vem tudo para o Porto de Cabedelo, poluindo a cidade”, continuou Ernesto.
Ao tomar conhecimento do projeto de expansão da rodovia, a população foi questionar ao então prefeito de Cabedelo, Luceninha (PMDB), que se prontificou a atuar para que os impactos não acontecessem na cidade e atingissem a população local. Pouco tempo depois, Luceninha foi indiciado na operação Xeque-Mate, da Polícia Federal, acusado de vender o mandato para o vice-prefeito, Leto Viana (PRB).
“É um projeto de 300 milhões de reais e envolve muitos interesses, como os de empreiteiras e dos empresários que trabalham para a privatização do Porto de Cabedelo”, pontuou o vice-presidente da Acica. Segundo Ernesto, o responsável pela articulação da obra na BR-230, em Cabedelo, foi o deputado federal Wilson Santiago Filho (PTB).
Os moradores do centro urbano de Cabedelo estão em pânico com o início das obras e dizem sofrer até com doenças cardíacas e depressão, após receberem inúmeras cartas do Dnit comunicando a remoção desses que são moradores históricos da cidade, já que são filhas e filhos, netos, mulheres e viúvas dos estivadores do Porto de Cabedelo. “Vi essa cidade crescer. Daqui de onde morávamos, víamos a praia. Moramos entre o mar e o rio e, como você pode observar, se alargarem a BR neste trecho, não sobrará faixa para ninguém morar aqui. Fomos no Dnit e lá nos disseram que o terreno era deles. Eu me pergunto como, se quando viemos morar aqui nem estrada existia. Fomos no Ministério Público Federal. Tem sido uma luta muito grande. Eu criei meus filhos todos aqui. Nunca apresentaram esse projeto para a gente. Primeiro, me mandaram uma carta dizendo que iam indenizar minha casa em nove mil reais, depois disseram que iam desapropriar 150m de um lado e 150 m do outro lado da rodovia e que todos iam sair daqui. Vamos ficar sem casa? Só temos essa casa, como nós vamos ficar?”, desabafou a professora Cátia Viana, com água nos olhos.
Sem Diálogo
O Dnit nunca procurou esses moradores e nunca participou de nenhuma reunião convocada por eles, que esperam uma explicação do órgão.
“Eu moro aqui desde 1954; era a Vila dos Marítimos, pagamos o uso do solo à União por 20 anos. A gente fica de mãos atadas sem saber o que fazer, porque só temos uma casa para morar. É uma coisa absurda. Por que querer mexer com a gente aqui? Somos pobres e assalariados. Eles precisam olhar para as pessoas. Essa estrada aqui era de barro, era bem baixa e depois altearam”, falou Genilda Sores de Oliveira, 82 anos.
Para Djanira Martins de Oliveira, que tem 75 anos e mora no km 1 da BR-230 há 68 anos, a situação é uma tristeza. Ela comenta: “Eu vivo doente e nervosa. Como a gente vai ficar? E não tem ninguém, nenhuma autoridade para resolver nada. Temos escritura, pagamos IPTU e domínio da União. Eu já sou isenta do domínio da União”.
Renato Gomes de Oliveira Filho, 60 anos, é natural de Cabedelo e revela: “Nós que moramos às margens dessa BR sempre fomos afetados pela BR. Essas casas foram construídas no nível da pista antiga. Com a construção da Transamazônica, se 'for' verificar, vão constatar um desnível das casas para o nível da pista de mais de um metro. Isso causou e causa um transtorno enorme; quando chove, todas as casas aqui são alagadas. O Dnit afirma que nós estamos aqui de forma irregular, o que não é verdade. Temos escritura pública e pagamos o domínio da união porque estamos cercados pelo rio e pelo mar, por isso pagamos o domínio da união. Agora eles dizem que estamos ocupando a faixa do Dnit, como? Foi um projeto que não houve consulta popular; eles dizem que não vai haver remoção de pessoal, mas vai haver. Eles publicaram um decreto que regulariza agora muito recentemente a área da faixa de domínio do Dnit, que passou a ser de 150 metros de um lado e outro da pista, o que só ocorreu após o início da obra, para corrigir uma distorção do projeto da obra em si. A população não está fora da lei, 70% dos moradores aqui já são de pessoas idosas. E essas pessoas vão ser removidas para onde? Para outra cidade. E tem mais: existia um outro projeto das Docas aqui, que era a construção de um binário. O binário resolveria bem o tráfego neste ponto da rodovia e teria pouquíssimo impacto ambiental”.
A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou Ação Civil Pública no dia 18 de dezembro de 2018, mas ainda não houve apreciação do pedido liminar formulado. “O mérito da ação está relacionado à ausência de prévio licenciamento ambiental da obra”, explicou o defensor público Edson Júlio de Andrade Filho, da DPU. Também existe um relatório de auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), de 5 outubro de 2017, que aponta "indícios" de irregularidades na execução da obra pelo Dnit, no trecho em Cabedelo.
“A população não é contra o desenvolvimento, já que apresenta uma alternativa mais viável”, disse Ernesto. Enquanto isso, a obra segue em andamento e o povo segue sofrendo frente à força do poder econômico, que iniciou a expansão da BR-230 mesmo sem nenhuma licença ambiental e sem diálogo com a população, já que qualquer projeto que tenha alto impacto para a população, de acordo com o estatuto das cidades, deveria ser discutido através da realização de audiências públicas com os moradores. O Dnit nunca dialogou com a população de Cabedelo, que desconhece o verdadeiro projeto da obra.
Edição: Monyse Ravena