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Bolsonaro e Macri reafirmam aliança que pode limitar Mercosul e integração regional

Mesmo com crise econômica e piora de indicadores sociais, Bolsonaro elogiou gestão argentina e reafirmou “convergência”

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Jair Bolsonaro e Maurício Macri posam para foto após reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, nessa quarta-feira (16)
Jair Bolsonaro e Maurício Macri posam para foto após reunião no Palácio do Planalto, em Brasília, nessa quarta-feira (16) - Alan Santos/PR

O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (PSL), e o mandatário argentino, Maurício Macri (Cambiemos), formalizaram nessa quarta-feira (16) a aliança que estava sendo desenhada desde a campanha eleitoral no Brasil, no ano passado. Embora Macri não tenha participado da posse de Bolsonaro no dia 1º de janeiro, como havia indicado, veio ao país participar de uma reunião ontem com seu aliado.

Primeira visita oficial de um chefe de Estado ao Brasil no governo Bolsonaro, o presidente argentino expressou seu "entusiasmo" com a viagem. Ambos demonstraram a urgência de levar adiante ações conjuntas no plano regional.

A agenda bilateral esteve marcada por "uma ampla gama de assuntos", como afirmou Bolsonaro durante uma coletiva de imprensa realizada após a reunião. Entre os temas tratados, estão a proposta de mudanças no Mercosul e a oposição ao governo de Maduro, recém-empossado na Venezuela.

Mercosul

Em relação à integração regional, Macri e Bolsonaro afirmaram estar dispostos a promover alterações nas regras econômicas do Mercosul, entre elas, a flexibilização das normas que proíbem acordos comerciais bilaterais com países de fora do bloco.

"O Mercosul precisa valorizar sua tradição original, [com] abertura comercial, redução de barreiras e eliminação de burocracias. O propósito é construir um Mercosul enxuto que continue a fazer sentido e ter relevância", declarou Bolsonaro na coletiva.

Durante participação no programa No Jardim da Política, da Rádio Brasil de Fato, o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Igor Fuser havia comentado – previamente à reunião dos dois mandatários – os interesses do governo brasileiro em flexibilizar e limitar a integração regional através do Mercosul.

"O Brasil não vai acabar com ele, porque a burguesia brasileira ganha com o Mercosul e as empresas transnacionais instaladas no Brasil e na Argentina se beneficiam também desse acordo. Então, o que vai se fazer é limitar o alcance do Mercosul, aprofundar essa tendência de abandono de qualquer projeto de integração regional. E o Brasil não está sozinho nisso. Há um governo na Argentina que vai pelo mesmo caminho", afirmou o especialista na entrevista concedida na semana passada.

Venezuela

Sobre a relação política com a Venezuela, que está suspensa de participar do Mercosul, os presidentes reafirmaram a oposição ao governo de Nicolás Maduro, reeleito em maio de 2018 e empossado no dia 10 de janeiro deste ano.

"Reafirmamos nossa condenação à ditadura de Nicolás Maduro, não aceitamos essa chacota com a democracia", disse o presidente argentino durante a coletiva de imprensa. "Reconhecemos a Assembleia Nacional como a única instituição legítima na Venezuela."

A afirmação de Macri faz coro às declarações recentes do governo dos Estados Unidos e do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, de reconhecer o deputado Juan Guaidó, presidente da Assembleia Nacional (AN), como presidente interino da Venezuela.

A AN, no entanto, está suspensa por desacato desde março de 2017 por ordem do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), depois que os membros do órgão legislativo não reconheceram uma decisão judicial que impedia três deputados opositores de assumir o mandato por crimes eleitorais comprovados.

Contradições

Durante a coletiva de imprensa realizada ontem, Bolsonaro exaltou as reformas empreendidas pelo governo argentino, entre elas, a da previdência, pauta prioritária do ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes.

"Acompanhamos com interesse e admiração os esforços de Macri para reerguer a economia da Argentina e torná-la mais integrada ao mundo", afirmou o presidente brasileiro.

Macri chega ao seu quarto ano de mandato enfrentando a maior inflação comercial em 27 anos e um aumento significativo da pobreza e do desemprego após o acordo firmado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), em junho de 2018, e as políticas de ajuste do governo.

Direitos humanos

Em seu discurso, Bolsonaro também expressou que a visita do presidente argentino reafirma uma "convergência de posições de identidade de valores". "Que atuemos conjuntamente na defesa da liberdade e da democracia", afirmou o mandatário brasileiro, se referindo principalmente à postura em relação à Venezuela.

Porém, tanto Macri quanto Bolsonaro são constantemente criticados por organizações internacionais por desrespeitarem os direitos humanos e as liberdades democráticas em seus países.

No caso da Argentina, pesa sob a gestão macrista a responsabilidade do Estado no caso do desaparecimento de Santiago Maldonado, da prisão da líder indígena Milagro Sala e da morte de Rafael Nahuel, além das repressões a manifestações e uma medida que autoriza os policiais militares a atirarem pelas costas.

Segundo informações da Coordenação Contra a Repressão Policial e Institucional (Correpi), em 2017, a violência policial causou a morte de uma pessoa a cada 23 horas na Argentina e estima-se que o número de vítimas fatais tenha sido ainda maior em 2018.

Já as constantes declarações do presidente brasileiro que ferem os direitos humanos levaram alguns integrantes do Parlamento Europeu a solicitar, em novembro do ano passado, a suspensão das negociações entre o Mercosul e a União Europeia até confirmar-se "que o Brasil atende suas obrigações democráticas".

Edição: Aline Scátola