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Perdido como cachorro que caiu de caminhão de mudança

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Só às vésperas da mudança é que chegou com a chave, o endereço e uma foto da casa
Só às vésperas da mudança é que chegou com a chave, o endereço e uma foto da casa - Antonio Cruz/Agência Brasil
Na hora de arrumar a mudança, além de não ajudar, Ranoel atrapalhava

“Perdido como cachorro que caiu de caminhão de mudança”. Vocês já ouviram essa frase? Realmente, o bicho fica perdido. Voltar para a velha casa não adianta, e ele não sabe onde é a nova. 

Foi pensando nessa comparação que me lembrei do Ranoel, um velho aposentado ranheta, de uma grande cidade do interior paulista. Um filho dele, Valdinei, morava em São Paulo e sempre sonhava resolver o problema de moradia dos pais, que nunca conseguiram ter a famosa casa própria. 

Quando conseguiu acumular uma poupança razoável, comprou uma casinha bonitinha, num bairro melhor, sem falar nada pra eles. Só às vésperas da mudança é que chegou com a chave, o endereço e uma foto da casa. 

Foi uma festa, menos para o seu Ranoel, resmungão, que punha defeito em tudo. Levaram o Ranoel lá, ele foi reclamando pelo caminho, sem nem reparar a beleza do bairro todo arborizado. 

Viu a casa novinha, bonita, com quintal que tinha uma churrasqueira coberta e, ao lado dela, uma área com grama e árvores, e não gostou. Continuou reclamando.

No dia seguinte, na hora de arrumar a mudança, além de não ajudar, Ranoel atrapalhava. A mulher, dona Rosilda, pegou um dinheirinho com o filho e sutilmente deu pra ele tomar umas por ali. 

– E que não voltasse tão cedo! – ela pediu. 

Ele foi, resmungando.

Bebeu até de noite, voltou pra casa e a encontrou fechada. Só aí lembrou-se que tinha mudado. Mas… pra onde? Não se lembrava de jeito nenhum, já que tinha sido levado à casa nova apenas uma vez. Saiu perguntando aos vizinhos:

– Vocês sabe, onde eu estou morando?

Muitos acharam que ele tinha ficado gagá de vez, outros diziam: “Veja só o que a cachaça faz com um homem”. Ele saiu andando pelos bairros próximos, sabendo que a casa não era ali, mas procurando boteco aberto para beber o resto do dinheiro. 

A grana rendeu, até que não havia mais nenhum boteco aberto na região toda. A família só deu pela falta do Ranoel quando descarregou a mudança, e saiu à sua procura, se espalhou pelas ruas próximas à velha moradia, mas ninguém sabia pra onde tinha ido o velho reclamão. 

Rodaram o velho bairro inteiro e depois alguns outros próximos. Finalmente, Valdinei viu o velho Ranoel abraçado a um poste, bêbado de vez, tarde da noite.

Depois disso, quem quisesse ouvir uns palavrões era só perguntar:

– Ô, seu Ranoel, já achou a sua casa?

Edição: Júlia Rohden