Depois daquela noite de março em 2018, quando a vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes foram vítimas de uma emboscada no centro do Rio de Janeiro, diversas intervenções por toda cidade cobram a elucidação do crime. Na última segunda-feira (14), em que os assassinatos completam 10 meses, a pergunta “quem matou e quem mandou matar Marielle e Anderson?” continua sem resposta.
“As autoridade não se colocam de forma efetiva, só com depoimentos vazios, chamando o caso de avançado quando a gente já tem mais de 300 dias. Não vejo avanço nisso”, cobrou Monica Benício, arquiteta e companheira de Marielle, no início do ato que ela chamou de “Resistência Sapatão”.
“Não seremos interrompidas”, responderam as mulheres reunidas na sede da Rede Nami, na Favela Tavares Bastos, no bairro do Catete, zona Sul do Rio de Janeiro. A ONG Rede Nami utiliza arte urbana para promover os direitos e a não violência contra mulheres. O evento contou com a presença de representantes de diversos blocos de carnaval, movimentos populares e de mulheres negras e lésbicas.
"Marielle era uma pessoa que gostava muito de celebrar a vida. A ideia é fazer um ato como a gente vive o nosso amor, com felicidade, resistência sapatão, LGBT, e aí é fundamental que dessa vez tenha uma cara diferente. Vai ter resistência, mas também tem amor porque é assim que a gente faz nossa política, construída com afeto”, explicou Monica. “Os outros foram com a dor que o dia acaba tendo, inevitavelmente”, confessa.
Grafite vandalizado
Uma homenagem pela memória e justiça de Marielle Franco aconteceu durante a visita da paquistanesa Malala Yousefzai ao Brasil, em julho do ano passado. A mais jovem vencedora do Prêmio Nobel da Paz e ativista pelo direito das meninas usou a técnica de pintura em spray com molde, o stencil, para grafitar o rosto da parlamentar assassinada. Artista plástica e fundadora da Rede Nami, Panmela Castro contou que Malala escolheu Marielle dentre outras opções.
Cinco meses depois, o grafite amanheceu vandalizado junto com a arte que homenageava Maria da Penha, símbolo da luta de combate à violência doméstica. A ação de um homem foi flagrada por câmeras no dia 10 de dezembro, quando é celebrado o Dia dos Direitos Humanos. A reconstrução das artes ficou por conta de Monica Benício, usando a mesma técnica stencil.
Primeiro, Monica refez o grafite com o busto da ativista Maria da Penha, depois o rosto de Marielle foi reconstruído por cima do vandalizado com tinta preta. Cerca de 600 cartazes com a fotografia de Ana Luíza Marques do grafite original feito por Malala foram distribuídos.
A psicóloga Luizane Guedes do Espírito Santo estava no Rio de Janeiro de passagem a trabalho quando soube do evento através das redes sociais e decidiu participar. “Esse é o espaço pra reafirmar o lugar que é da mulher negra, lésbica e em que nenhuma de nós vai ficar pra trás. Através do grafite a gente vai demonstrar isso, seja aqui ou em outro estado”, disse.
A cantora Marina Iris também marcou presença e fez parte da programação. Ela destaca que “a execução de uma vereadora eleita é um atentado à nossa democracia” e o ato é um marco para seguir cobrando respostas do estado. “É fundamental juntar mulheres diversas, de diferentes perfis, pra reafirmar nossas lutas e dar sequência a questões que a gente batalha todos os dias”, afirma a intérprete.
Não é a primeira vez que esse tipo de ataque contra a memória de Marielle acontece. Em outubro, dois deputados pelo mesmo partido do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) apareceram, em ato de campanha, rasgando a placa de rua com o nome da parlamentar. Em resposta, naquele mesmo mês, mais de 1.500 pessoas contribuíram para confeccionar 1 mil réplicas distribuídas na Cinelândia, no centro da cidade. Desde então, mais de 20 mil placas estão espalhadas ao redor do mundo, segundo Monica.
Em São Paulo, um painel com a foto ampliada de Marielle Franco também foi vandalizado duas vezes e reconstruído. “Eles vão vandalizar uma, a gente vai refazer mil porque amor é resistência e a gente é incansável em lutar pelo nosso direito de amar livremente”, finaliza Monica
Edição: Eduardo Miranda