Em dezembro passado, o relatório “Tortura em tempos de encarceramento em massa II”, da Pastoral Carcerária Nacional, órgão da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), já havia denunciado que as mulheres, embora representem um universo de apenas 5,8% da população carcerária brasileira, correspondem a 21% das vítimas de tortura dentro das prisões.
“Considerado o fato de 8% dos casos [de tortura] envolverem tanto vítimas masculinas como femininas, parece evidente a desproporção na representatividade de gênero”, sublinha o relatório baseado em denúncias recebidas pela entidade entre junho de 2014 e agosto de 2018, a partir de queixas apresentadas por membros da Pastoral, familiares de vítimas e fontes anônimas.
Abuso de meninas
No cárcere ou em cumprimento de medida socioeducativa, os levantamentos demonstram que a mulher é alvo constante de violações de direitos humanos.
“Temos observado muitos problemas graves, sobretudo em relação a abuso sexual de meninas por agentes socioeducativos homens”, explica Rafael Barreto, perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT).
A constatação dos abusos em atendimentos a meninas privadas de liberdade no sistema socioeducativo brasileiro foi o que motivou a abertura da consulta pública pelo órgão federal MNPCT. O principal objetivo do processo participativo é que ele sirva como base para regulamentação do sistema, evitando fatores de risco para as adolescentes.
As medidas socioeducativas são aplicadas a adolescentes entre 12 e 18 anos, que cometeram atos infracionais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além de responsabilizar o jovem pelo delito de forma educativa, as medidas visam auxiliar a reinserção na sociedade.
O MNPCT tem procurado focar na situação das unidades femininas. Um dos principais motivos é a omissão na legislação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) quando se trata do gênero.
Missões de verificação
Segundo a instituição, os relatórios indicam também a presença comum de adolescentes grávidas em péssimas condições, recorrentes tentativas de suicídio e discriminação no acesso a cursos em relação aos meninos. Formado por 11 peritos federais, o MNPCT tem visitado locais em todo o Brasil para elaborar recomendações da melhoria das condições no tratamento de pessoas privadas de liberdade. Desde sua criação, em 2015, o órgão emitiu mais de 1.700 documentos.
As chamadas missões de verificação, nas unidades socioeducativas, aconteceram em 2018 nos estados do Ceará, Distrito Federal, Paraíba e Pernambuco, em conjunto com dois outros órgãos federais, o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) e o Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA). O MNPCT havia feito uma avaliação em 2015 e, como nada mudou, as entidades agora pedem uma regulamentação e a criação de ferramentas de amparo legal.
“Nós estamos num cenário hoje no Brasil em que a gente visita a unidade feminina socioeducativa e a gente diz 'olha, nós recomendamos que vocês atuem desta forma', mas a gente não tem uma base legal para poder reforçar esse pedido. Então a Justiça, o Ministério Público, a Defensoria, outros atores também não tem como entrar, ajuizar ações na Justiça, para exigir o cumprimento de uma norma que não existe”, explica.
Regulamentação
Para Barreto, a existência de uma regulamentação específica dá ferramentas para que os órgãos responsáveis possam cobrar e aplicar sanções, caso haja descumprimento, e também vai possibilitar mudanças concretas na vida das adolescentes privadas de liberdade, acredita ele.
O texto da minuta que está em consulta pública foi formulado com base nas Regras de Bangkok e Regras de Havana, ambas aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) e com objetivos de regulamentar o tratamento à mulheres e adolescentes infratoras. Sociedade civil, conselhos, instituições governamentais e da justiça, servidores e qualquer cidadão estão convidados para contribuir com o texto.
As sugestões deverão ser enviadas para o e-mail [email protected], até o dia 22 de fevereiro de 2019. Somente serão aceitas contribuições no formato do documento em anexo denominado “Formulário para Consulta Pública”.
* Atualizada às 16h40 de 12/01/2019
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira e Cecília Figueiredo