Na lista de alvos do novo governo, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recebeu várias críticas do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL) e de sua equipe — o que rendeu o pedido de exoneração da presidente do instituto, Suely Araújo, já na primeira semana de governo.
Bolsonaro e o novo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, questionaram o valor de um contrato de R$ 28,7 milhões para “locação de veículos utilitários, sem motorista, com fornecimento de combustível e pagamento mensal fixo mais quilometragem livre rodada”. O instituto utiliza os carros para fazer fiscalizações em todo o país. Araújo rebateu em seguida as críticas, afirmando que demonstravam um "completo desconhecimento" sobre o Ibama.
Já durante a campanha eleitoral, Bolsonaro criticou a existência de uma suposta “indústria da multa ambiental” que teria foco no Ibama.
Em 2012, o presidente foi multado em R$ 10 mil pelo órgão, ao ser flagrado por fiscais durante pesca irregular dentro da Estação Ecológica de Tamoios, região de Angra dos Reis (RJ).
Nesta quarta-feira (9), foi divulgado que a superintendência do órgão no Rio de Janeiro anulou a investigação contra Bolsonaro após parecer da Advocacia-Geral da União (AGU). Segundo a AGU, o presidente não teria tido amplo direito de defesa nem garantia de contraditório.
Funções do Ibama
Criado há 30 anos, o Ibama acumulava tarefas de fiscalização, gestão das unidades de conservação e realização de atividades de educação ambiental.
Desde 2007, com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que centralizou as duas últimas atribuições, a principal tarefa do Ibama é fazer a fiscalização de danos ambientais, explica o engenheiro florestal Gumercindo Souza Lima. Ele é doutor em ciência florestal e professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
“Vários problemas ambientais que a gente enfrenta hoje no Brasil têm sido barrados e impedidos justamente pela atuação do Ibama”, diz o professor.
Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Ibama contribuiu para uma redução de 75% do desmatamento da Amazônia Legal desde 2004. O Brasil não é só um dos países megadiversos; é o país com a maior diversidade biológica do mundo.
“Temos profissionais de altíssimo nível, agentes ambientais muito comprometidos. É um órgão de extrema importância para conservação ambiental no Brasil e para proteção ambiental; para garantia de um licenciamento ambiental correto e do cumprimento das condicionantes que são estabelecidas nesses licenciamentos ambientais”, diz Lima.
Estrutura para fiscalizar
As críticas de Bolsonaro a respeito do contrato da frota do Ibama atacam a espinha dorsal da atuação do instituto que é a estrutura para o trabalho de campo.
Na realidade, o contrato de locação de veículos criticado por Bolsonaro foi 8% mais barato que o anterior e ainda teve 33 carros a mais à disposição do órgão -- 393, ao todo. O preço de renovação no ano passado foi de R$ 31,021 milhões.
“Não há como fazer a gestão de um trabalho tão importante quanto esse, que é um trabalho de campo em regiões longínquas, difíceis de atuar sem equipamentos adequados, sem veículos, sem uma estrutura e uma logística que dê sustentação a esse trabalho de forma adequada”, diz o professor.
Um funcionário do Ibama, que não quis se identificar por medo de represálias, teme que o novo governo possa diminuir o poder de ação do instituto.
“Os trabalhos de campo, geralmente, são sempre em áreas em que tem que percorrer distâncias muito grandes. Você não pode pegar um carro comum e achar que vai fazer uma operação de fiscalização na Amazônia”, questiona.
Ele também pondera a necessidade de utilização de imagens com sobrevoos de helicópteros para analisar a extensão de dano ambiental. Os sistemas de softwares e informática do instituto, segundo o funcionário, estão ultrapassados para o trabalho. “Eu não acredito que vai haver uma melhora. O que está se desenhando é um Estado mínimo.”
O funcionário também afirmou à reportagem que o aumento do número de multas aplicadas pelo Ibama está relacionado com o aumento das infrações e crimes. Ele, que trabalha no setor de apuração das autuações, considera que Bolsonaro não tem conhecimento do funcionamento do instituto. O funcionário explica que cresceram as multas administrativas, ligadas ao cumprimento de burocracias.
Empresas com potencial poluidor têm que pagar trimestralmente a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TCFA), que chega até R$ 5 mil. Além disso, elas devem entregar registros e relatórios mensais de suas atividades. O não cumprimento dessas obrigações gera as multas administrativas, que cresceram em grandes centros urbanos, aponta o funcionário do Ibama.
“Este tipo de multa que aumentou muito nos últimos anos não precisa ter uma fiscalização in loco ou investigação. Saiu no sistema, se multa. É diferente da multa que o Bolsonaro está reclamando que é uma questão específica da floresta, especialmente na Amazônia — onde se tem derrubada de árvore e de extensas áreas, destruição do solo, morte de fauna. Tudo isso é resultado do desmatamento”.
Estas multas relacionadas ao desmatamento e utilização de áreas não autorizadas ainda estão “muito aquém” do ideal, aponta ele.
A quem interessa o descrédito do Ibama?
Para o funcionário quem acaba lucrando com a falta de fiscalização são os setores ruralistas que se beneficiam com a depredação ambiental.
Em dezembro, ao jornal Folha de S. Paulo, a ex-presidente do Ibama Suely Araújo disse que o discurso público contra a fiscalização do órgão é uma “apologia ao crime e às irregularidades” ambientais.
O engenheiro Gumercindo Lima afirma que os ataques de Bolsonaro e de Salles ao instituto atendem a interesses do agronegócio — principal setor ligado ao desmatamento no América Latina. Segundo o relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla do inglês), práticas como o pastoreio extensivo, as monoculturas de soja e de palma azeiteira geraram quase 70% do desmatamento no continente entre 2000 e 2010. Menos de 2% do desflorestamento ocorreu devido à infraestrutura e à expansão urbana.
“Por trás dessa fala do presidente está esse compromisso com determinados setores que são, de certa forma, ‘prejudicadas’ pela ação dos agentes ambientais do Ibama. Mas traz também um completo desconhecimento de alguém que não se preparou adequadamente para exercer o cargo.”
Após a saída de Suely Araújo, o advogado Eduardo Fortunato Bim vai assumir a presidência do órgão. O nome de Bim já havia sido mencionado pela equipe de Bolsonaro em dezembro. Ele integrava o quadro técnico da AGU.
Edição: Mauro Ramos