Na última sexta-feira (4), o ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez indicou o economista Murilo Resende para chefiar o setor de Avaliação Básica do Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pela elaboração do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Resende é formado em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e, desde 2009, dá aulas em uma universidade privada de Goiás. Os rendimentos, ele complementa com um curso online sobre "doutrinação marxista" e outros temas semelhantes, no qual já acumula cerca de 400 aulas. O novo coordenador do Enem foi indicado por integrantes do Movimento Escola Sem Partido e se declara fiel seguidor das ideias do filósofo Olavo de Carvalho — segundo ele, responsável por seu “amadurecimento intelectual”.
Expulsão do MBL
Em 2014, durante a campanha do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), Resende foi expulso do grupo conservador Movimento Brasil Livre (MBL) por divergências políticas. À época, ele defendia que o movimento não deveria buscar contato com parlamentares de partidos como o PSDB e o DEM, tática adotada pela direção da organização. Vale lembrar que o grupo se autoproclamava "apartidário mas de forma alguma apolítico", apesar de vários de seus principais referentes terem concorrido às eleições de 2018 e ganho cargos legislativos com partidos como DEM, PSDB, PSB e PV.
Em sua conta no Twitter, um dos coordenadores do MBL, Renan Santos, descreve Resende da seguinte forma: “Um maluco completo. Foi do MBL de Goiás. Expulso, vivia xingando a gente por lutarmos pelo impeachment ... Lunático, conspiratório, fora da realidade…”
Professores como inimigos
Durante conferência do Ministério Público (MP) de Goiás, em 2016, sobre “Doutrinação Político-Partidária no Sistema de Ensino”, Resende afirmou ter sido, ele próprio, vítima de doutrinação na escola particular onde estudou. Ele considera que os professores contrários ao Escola Sem Partido são “manipuladores” e “desqualificados”.
“Eu acho que escola sem partido é muito pouco. Não é só questão de partido: PT, PSOL, seja lá o que for. O que existe no Brasil [é] um projeto inspirado em Antônio Gramsci, que começou 40, 50 anos atrás. Toda a militância comunista foi ordenada a se infiltrar no jornalismo, nas escolas”, afirmou ele na mesa organizada pelo MP. “E esses mesmos têm a coragem de dizer que no Brasil a gente não vive em uma ditadura marxista”, continua.
“Não se trata de novidade. Se a gente observar, esse estágio atual que a gente passa na educação brasileira nasceu no regime militar, em que a gente [os] viu adotar a famosa tese da panela de pressão: para contrabalancear a esquerda guerrilheira, eles deveriam dar um espaço (inclusive a Unicamp foi criada para isso, para ser uma fazenda onde deveriam ser alojados os marxistas), para esses marxistas ditos democráticos nas escolas”.
Em determinado momento, Murilo aponta para uma professora que havia se pronunciado antes dele, se opondo à proposta do Escola Sem Partido: “Como é que o nome da senhora mesmo? Carina, não é? A Carina mencionou o seguinte: o direito que o ser humano tem ao seu próprio corpo. Parece tão inocente, mas quem sabe ler as ideologias que estão por trás desse simples grito de guerra, sabe que com isso ela está se referindo ao aborto. A gente sabe que os professores estão espalhando essa ideia, de que o aborto é um direito da mulher”.
Plágio?
Circula na internet uma denúncia de que o artigo "A Escola de Franfkurt: satanismo, feiúra e revolução", publicado por Resende na revista Estudos Nacionais, seria um plágio de um artigo do artigo "The New Dark Ages: The Frankfurt School and 'Political Correcteness'", publicado em 1992 por Michael Minnicino na revista Fidelio, do Schiller Institute. O autor brasileiro teria feito uma coletânea de parágrafos do texto original, traduzido e trocado o nome de personalidades citadas no texto. O artigo "original" é citado como fonte.
O Brasil de Fato entrou em contato, mas não conseguiu obter um depoimento de Resende sobre o caso. Seu texto publicado no site da Estudos Nacionais, conta agora com uma "nota de esclarecimento", onde o economista afirma que seu texto é uma "tradução parcial/adaptação" do artigo de Minnicino. No entanto, o texto publicado é assinado com seu nome, dando a entender que é de sua autoria.
Contraponto
Lucília Aguiar é professora de Sociologia em escolas estaduais em Vila Isabel e Manguinhos, bairros da periferia do Rio de Janeiro. Em relação às afirmações do novo responsável pelo Enem, ela é categórica: “Discordo absolutamente que tenha esse processo de doutrinação. Eu dou aula há 27 anos e isso não ocorre. O que a gente tenta fazer é construir uma formação crítica, cidadã e uma apresentação para o mundo do trabalho. É isso que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nos cobra e é isso que a gente faz”.
Para ela, o projeto Escola Sem Partido aponta para o mesmo caminho que ele diz combater: “Construir um processo ideológico dentro das escolas. Quando se apresenta a ideia de uma vigilância, de cercear a liberdade de cátedra dos educadores no país, isso sim é uma tentativa de imposição ideológica, de um viés retrógrado e conservador, que busca uma formação acrítica, principalmente para os educandos da escola pública”, diz Aguiar.
Cortina de Fumaça
Divulgada em setembro de 2018, uma pesquisa sobre os salários de professores do ensino básico ao médio, feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mostra que, entre os quarenta países pesquisados, o Brasil ficou em último lugar em quase todos as categorias.
Hoje o Brasil investe cerca de 6% do seu PIB em educação, estando à frente de países como Argentina, México e Estados Unidos, mas, segundo a professora, estes gastos são incapazes de garantir a valorização dos profissionais e a estrutura necessária para as escolas: “A desestruturação física das escolas é um problema grave. A questão salarial dos professores é um problema gravíssimo. Às vezes eu acho que a escola está no século 18 e os [alunos] estão no século 21. É preciso aprofundar o diálogo das escolas com as comunidades e a construção de um projeto político-pedagógico autônomo, mais livre, para que a gente dialogue mais com os jovens e com as demandas que eles têm hoje”, encerra.
Caça às bruxas
A indicação de Murilo Resende se insere em um novo contexto das políticas públicas educacionais no país. Ricardo Vélez Rodriguez, ministro à frente da pasta, elegeu o “marxismo cultural” e a “ideologia de gênero”, como os principais inimigos da educação no país, e tem falado pouco sobre como pretende enfrentar os gargalos históricos que impedem o avanço nesta área tão deficiente no país.
Ao mesmo tempo, Rodriguez nomeou o pedagogo Carlos Francisco Nadalim, que assume segundo ele próprio com o objetivo de “libertar mentes escravas das ideias de dominação socialista”. A indicação de Nadalim é creditada ao astrólogo Olavo de Carvalho, para a Secretaria de Alfabetização do Ministério. Além dele, foi nomeado o general Francisco Mamede de Brito Filho, um homem sem experiência prévia na educação, para ocupar a chefia de gabinete do Inep.
Edição: Mauro Ramos