Você já ouviu falar na Aldeia Maracanã? Localizada na zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, a aldeia urbana foi erguida por indígenas de diferentes etnias, em 2006, no terreno onde era abrigado o antigo Museu do Índio. Muito se falou sobre a aldeia, em 2013, quando o terreno foi alvo de disputa a partir da intenção do governo do estado do Rio de derrubar o prédio para construção do Complexo do Maracanã, que receberia partidas da Copa do Mundo de 2014.
Após o anúncio da medida polêmica, indígenas e inúmeros movimentos populares resistiram. A reação, que gerou diversas ocupações e desocupações do terreno, fez o ex-governador Sérgio Cabral voltar atrás e prometer a implantação de um centro cultural do índio. Mas, quatro anos depois, recheados de escândalos de corrupção no estado, nada foi feito. Os indígenas permanecem no local e aguardam o resultado de um processo judicial para que consigam a posse definitiva do terreno. O julgamento deve acontecer em fevereiro.
O cacique José Urutau é uma das lideranças que segue em resistência. Em 2013, ele chamou a atenção do país ao ficar em cima de uma árvore por pelo menos 26 horas como um dos protesto contra a desocupação da Aldeia Maracanã. O cacique alerta para importância da aldeia: único espaço de referência indígena que restou na cidade do Rio de Janeiro.
“Vieram mexer com a nossa espiritualidade, esse local é um patrimônio espiritual para a gente. Aqui viviam os povos Maracanã e Tupinambá, era um grande aldeamento. Nós não viemos até o Maracanã, a cidade que veio até nós. A cidade é um grande cemitério indígena que nos engoliu. Nós aqui não temos estrutura nenhuma, mas seguimos lutando”, explica.
CRIME DE ÓDIO
Nas últimas semanas, populações indígenas vem sofrendo uma série de ataques e ameaças das mais diferentes esferas dos governos. Um dos ataques foi feito pelo deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), o mesmo que destruiu uma placa em homenagem a Marielle Franco em um ato de campanha. Ele afirmou que a Aldeia Maracanã é "lixo urbano" e defendeu que a área seja utilizada com atividades que visem lucro.
“É uma declaração racista e fascista, que representa acima de tudo a incitação ao ódio. Estamos vivendo ataques institucionais nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal. Essa fala acirra o ódio que as pessoas que não entendem a questão indígena tem. É no mínimo irresponsável um representante do povo agir dessa maneira”, exclama o cacique.
Para Leif Grünewald, antropólogo e professor visitante do programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), a declaração reflete a forma mais perversa de racismo que existe.
“Mostra o total desconhecimento do que é o Brasil e o que são os povos tradicionais. Mais grave ainda é dizer não os considera como gente, isso reforça o caráter fascista desses políticos. Na Alemanha o que aconteceu foi justamente isso: não considerar os judeus humanos foi justificava para todo tipo de atrocidade e violência contra essas pessoas”, explica.
O deputado eleito ainda declarou que, "quem gosta de índio, que vá para a Bolívia, que além de ser comunista ainda é presidida por um índio". Em seguida, autoridades bolivianas também reagiram com indignação às declarações, inclusive o presidente Evo Morales.
"Lamentamos o ressurgimento da ideologia de supremacia racista. Perante a intolerância e a discriminação, nós povos indígenas promovemos o respeito e a integração. Temos os mesmos direitos porque somos filhos da mesma Mãe Terra", escreveu Morales em sua conta de Twitter.
O governo da Bolívia anunciou nesta semana que denunciará o Brasil à ONU por "racismo de Estado". O vice-ministro de Descolonização da Bolívia, Félix Cárdenas, explicou à imprensa local que o governo de Bolsonaro deverá explicar na ONU os motivos pelos quais há atitudes racistas contra os povos indígenas e pessoas de outras nacionalidades no país. Para o vice-ministro, o "racismo é uma política de Estado" no Brasil.
De acordo o advogado da Aldeia Maracanã, Araão Araújo, dois processos estão sendo registrados contra o deputado eleito: um criminal e outro de danos morais. Também estão sendo organizadas ações de apoio, como um abaixo assinado que já tem adesão de diversas organizações internacionais.
“Ele cometeu crimes gravíssimos com essa declaração. É crime de intolerância, crime de ódio. Enquanto servidor público ele tem a obrigação de promover a dignidade humana, não atacar e promover o ódio”, explica o advogado.
DESMONTE DA FUNAI
O ataque aos indígenas também veio de forma institucional como um dos primeiros atos de Jair Bolsonaro (PSL-RJ) na Presidência. Na última semana, Bolsonaro assinou uma medida provisória em que autoriza que a identificação, delimitação e demarcação de terras indígenas no país seja feita pelo Ministério da Agricultura, não mais pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O órgão tinha essas como umas de suas principais atividades nos últimos 30 anos.
“Essa medida é uma bomba atômica. Ela legitima e autoriza a violência, que já existe, mas também impede e mobiliza populações de acionarem determinados mecanismos que funcionavam para eles. É golpe cruel e violento demais com populações que sofrem muito. Esse novo contexto vai exigir muita mobilização política dos índios. De qualquer modo, o estrago a curto prazo pode ser enorme”, avalia o antropólogo Leif Grünewald.
A Funai foi criada em 1967 em substituição ao Serviço de Proteção ao Índio, fundado em 1910.
Edição: Eduardo Miranda