Apenas um dia após ser veiculada a notícia de que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) determinou às suas superintendências a interrupção dos processos de desapropriação ou aquisição de terras por prazo indeterminado, o governo Bolsonaro -- como de costume -- recuou.
Nesta quarta-feira (9), o órgão divulgou um novo memorando suspendendo a orientação. O documento oficial foi assinado por Francisco José Nascimento, presidente do Instituto.
Os três memorandos foram divulgados aos servidores na primeira semana do ano e, de acordo com o Incra, 250 processos em andamento foram paralisados. A permanência da determinação também prejudicaria mais de 1,7 mil processos para identificação e delimitação de territórios quilombolas.
Na avaliação de Alexandre Conceição, da direção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), o vai e vem do novo governo demonstra descaso com as políticas agrárias.
"Quando ele criou a Secretaria de Regularização Fundiária e entregou à UDR [União Democrática Ruralista], deixou claro que irá fazer uma política de concentração de terra, uma política de não desapropriação e uma política contra a reforma agrária. Eles ficam criando essas notícias para iludir e tirar o foco dos movimentos e da luta política pela terra", afirma Conceição. "Sabemos que é tudo uma tentativa de nos enrolar. Sabemos que é um governo que, com a bancada latifundiária, veio para não fazer reforma agrária".
Ele acrescenta que o recuo na orientação do Incra aconteceu devido à pressão popular e manifestações críticas à paralisação da demarcação de terras.
"A linha desse governo é não só paralisar como tentar retroceder na reforma agrária. É um governo que foi eleito com compromisso com o latifúndio e não com a democratização da terra", ressalta o dirigente do MST.
Em seu programa de governo, o Bolsonaro sequer mencionou políticas com essa finalidade. No entanto, defendeu que iria “retirar da Constituição qualquer relativização da propriedade privada”. Além de prejudicar ocupações e assentamentos do MST, a declaração do político protege latifúndios e propriedades privadas denunciadas por trabalho escravo da fiscalização.
Para Conceição, a perspectiva para os sem-terra no governo de Bolsonaro não é positiva. "A paralisação da reforma agrária vai causar a retomada da violência com muito mais força do que já tem ocorrido no país mas estamos atentos a esse governo. Apesar do recuo da medida, não há um recuo no projeto político deles".
Apesar da conjuntura agressiva aos movimentos sociais, o representante do MST destaca que a mobilização do movimento pela reforma agrária não irá cessar. "Nós continuaremos organizando o povo para a luta pela terra porque a luta pela terra não é uma questão de governo ou policial. É uma questão social para o desenvolvimento do território do país", reforça Alexandre Conceição.
Confira o trecho do documento que revoga o memorando emitido na primeira semana de governo:
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira