No discurso proferido durante a posse como nova ministra da Agricultura, nesta quarta-feira (2), em Brasília (DF), a ruralista Tereza Cristina (DEM-MS) fez acenos indiretos a pautas que atualmente estão no centro das preocupações de indígenas, sem-terra, quilombolas, ambientalistas e outros grupos.
Atual presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), mais conhecida como “bancada ruralista”, ela afirmou que pretende atuar em prol da “redução da burocracia”. Sem dar detalhes a respeito das próprias intenções, Tereza Cristina afirmou que “simplificar não é precarizar”.
Apesar disso, a gestão da nova ministra é apontada como um risco aos interesses populares no que se refere à defesa do meio ambiente. A ideia de “reduzir a burocracia” é interpretada como uma referência a pautas da agenda ambiental, que, tradicionalmente, se choca com os interesses ruralistas.
A ambientalista Letícia Camargo aponta especificamente o risco de o novo governo colocar em xeque a Resolução 237, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Editado em 1997, o dispositivo trata de critérios adotados para a concessão de licenciamento ambiental e determina quais atividades de impacto necessitam de uma avaliação prévia do Estado, sendo uma delas a agropecuária.
“Acho que o que está diretamente relacionado à agenda é em relação a uma possível flexibilização do processos de licenciamento pra atividade agropecuária, porque simplificar é flexibilizar, de certa forma. O movimento ambiental está bastante preocupado”, afirma.
Tradicionais opositores políticos do movimento ambientalista, ruralistas afirmam que as medidas de proteção seriam supostos entraves ao desenvolvimento do país, numa referência às atividades da monocultura, ligada aos interesses econômicos de grandes latifundiários.
No atual cenário político nacional, com a chegada de Jair Bolsonaro (PSL) à Presidência da República, a tendência é que o grupo, que, historicamente, tem fortes relações com o Ministério da Agricultura, se fortaleça.
A FPA, inclusive, foi uma das apoiadoras formais da campanha de Bolsonaro, o que garantiu o espaço político do grupo na cúpula do Poder Executivo. Com isso, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) deverá ter papel central na nova gestão.
Pelo escopo definido para a pasta, o Mapa irá concentrar os setores de pesca e aquicultura, as políticas de fomento à agricultura familiar e reforma agrária, a regularização fundiária de áreas rurais, a Amazônia Legal, além de terras indígenas e quilombolas.
Diante disso, militantes que atuam em defesa dos direitos das comunidades tradicionais também têm preocupação com a chegada de Tereza Cristina ao Mapa. É o caso da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Para Aberto Terena, da coordenação-executiva da entidade, a ideia de “reduzir a burocracia”, apontada pela nova ministra nesta quarta-feira, pode comprometer ainda mais os interesses populares.
O movimento indígena enfrenta atualmente o primeiro conflito com o governo Bolsonaro por conta das mudanças relacionadas à demarcação de terras. A partir de agora, a atividade ficará a cargo do Mapa, e não mais da Funai.
“A gente não tem uma expectativa de que essa desburocratização seja pra preservação do meio ambiente, seja pra não ter agrotóxicos dentro das grandes lavouras do nosso país ou pra demarcação de nossas terras. Não dá pra ter essa visão vindo de uma ministra que tem outra bandeira”, afirma o dirigente.
Outra pauta que estaria relacionada à ideia de “redução da burocracia” seria, para a ambientalista Letícia Camargo, a possível facilitação do registro de agrotóxicos no Brasil.
Alvo de projetos de lei na Câmara dos Deputados, a pauta é fortemente defendida pela bancada ruralista, interessada na expansão dos próprios negócios, e está na mira de especialistas e movimentos populares que atuam em defesa do meio ambiente, da saúde humana e das comunidades rurais.
“Tudo indica que teremos mais problemas”, finaliza a ambientalista.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira