A intervenção militar na segurança pública do estado do Rio de Janeiro completou 10 meses no último domingo (16). A medida decretada pelo presidente Michel Temer que nomeou o general Walter Braga Netto como interventor federal não conseguiu frear um dos principais problemas do estado: a milícia.
Os grupos armados irregulares são formados por integrantes das forças de segurança do Estado. Policiais, agentes penitenciários e bombeiros que atuam nas milícias assumem o controle de territórios na cidade e impõem regras para o funcionamento das atividades na região como é o caso do setor de bens e serviços, por exemplo, e espalham o terror a partir da violência nas áreas que dominam.
De acordo com José Claudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e autor do livro “Dos Barões ao Extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”, o surgimento da milícia está diretamente ligado aos grupos de extermínio que há mais de 50 anos operam na Baixada.
“75% de votos no (Jair) Bolsonaro na Baixada Fluminense é o equivalente a 50 anos de grupos de extermínio matando nessa região. Esses matadores sempre se elegeram desde a década de 90 e a milícia é uma superação disso. São matadores, atuaram em grupos de extermínio só que agora passam a ter um portfolio muito maior de negócios, ganhando muito mais dinheiro e se projetando politicamente”, explica o pesquisador que há 25 anos estuda a atuação da milícia e do tráfico na Baixada Fluminense.
A dificuldade para enfrentar a milícia
O braço político da milícia é o que dificulta conter a sua expansão. Os milicianos têm como diferencial o fato de muitos levarem uma vida dupla, atuando dentro das forças de segurança do Estado, ao mesmo tempo que agem na ilegalidade cobrando taxas abusivas sobre mercadorias, serviços e assassinando aqueles que não cumprirem as regras estabelecidas.
Um levantamento realizado pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MPE RJ) divulgado em abril mostrou que nos últimos oito anos as milícias mais do que dobraram a sua atuação na zona oeste do município do Rio de Janeiro. Segundo os dados, os grupos milicianos atualmente controlam 88 comunidades e favelas cariocas nesta área da cidade.
Para Alves, conter a milícia é algo que ainda está longe de acontecer. Segundo o pesquisador, os milicianos estão se consolidando por dentro da estrutura do Estado o que torna o combate a organização criminosa ainda mais difícil. O professor relaciona também a milícia com o alto número de subnotificações de mortes e desaparecimentos, principalmente na Baixada Fluminense.
“Aqui na Baixada existem várias chacinas que não foram noticiadas pela mídia e nem registradas pela Polícia. Dezenas de assassinatos não têm registros porque ela (Polícia) que mata e não notifica. Não adianta fazer discurso limpo num cenário, como se fosse democrático, isso não existe, as instituições estão todas derrocadas”, destaca.
Denúncias, ameaças e morte
Em 2008 foi instalada a CPI das Milícias, presidida pelo deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), o relatório de 282 páginas indiciou 225 políticos, policiais, bombeiros, agentes penitenciários e civis e apresentou 58 propostas para o enfrentamento do crime organizado.
Contudo, após 10 anos, nada foi feito para conter o avanço da milícia. No último dia 13 de dezembro a imprensa noticiou que a Polícia Civil interceptou um plano que pretendia assassinar Marcelo Freixo durante uma atividade com professores da rede privada de ensino no sábado (15) na zona oeste do Rio. Segundo o comunicado da Secretaria de Segurança Pública, três milicianos, entre eles um policial militar, estavam envolvidos na ação.
O caso veio à tona um dia antes de completar nove meses sem respostas dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes. Marielle era amiga pessoal de Freixo e, segundo apontam as investigações, a milícia tem envolvimento no crime que, de acordo com o Gabinete da Intervenção Federal, será elucidado até o fim de dezembro.
Edição: Mariana Pitasse