A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ) lançou na última terça-feira (18) o relatório final do “Circuito Favelas por Direitos”. O resultado do trabalho, iniciado após o decreto de Intervenção Federal Militar na segurança pública, em fevereiro de 2018, foi apresentado na sede da DEPE/RJ, na Avenida Marechal Câmara, nº 314 - Castelo.
O Circuito mobilizou 35 instituições públicas, movimentos sociais, organizações civis e lideranças comunitárias. Foram realizadas visitas planejadas em favelas da Região Metropolitana do Rio durante oito meses. Os grupos ouviram e recolheram pessoalmente 495 depoimentos espontâneos sobre o impacto da política de segurança no cotidiano dos moradores.
A partir do conjunto de relatos anônimos, o estudo identificou 30 tipos principais de violações repetidas em pelo menos 80% dos 25 territórios ocupados pelas forças armadas e policiais. O relatório parcial do “Circuito Favelas por Direitos”, divulgado em setembro, traz os resultados das primeiras 15 visitas e foi entregue ao Gabinete de Intervenção, em outubro, pelo defensor público-geral do Rio de Janeiro, André Castro.
“É um tema tenso, são violações graves, é uma conversa séria. Mas eles leram, estudaram, sabem que há um movimento amplo que identifica isso. Evidentemente eles vão a campo e conhecem a realidade do que acontece e não acontece, portanto, foi uma reunião produtiva nesse sentido”, disse.
Rocinha, Cidade de Deus, Acari, Chapadão, Salgueiro, Babilônia, Jacarezinho, Coroa, Prazeres, Dendê e Santa Marta são algumas localidades com atuação em rede do projeto. As violações de direitos foram categorizadas em cinco áreas: violação em domicílio, abordagem, letalidade provocada pelo Estado, operação policial e impactos.
Violações
“Eles entraram na escola e ficaram daqui trocando tiro com os bandidos. As crianças ficaram todas deitadas no chão, duas delas se urinaram. Pode olhar as marcas de tiro. A escola tá toda alvejada”, conta uma moradora.
Os relatos são graves e apontam até mesmo roubo e invasão de domicílio por parte das forças de segurança.
“Eles entraram na minha casa, ligaram o ar-condicionado, comeram os danones dos meus filhos, levaram mil reais e ainda deixaram tudo revirado”, relata outro.
O trauma psicológico, bem como a suspensão de serviços públicos, operações em horário escolar, agressões, subtração de bens e danos ao patrimônio nas residências são pontos recorrentes nos depoimentos.
“Existem muitas violações cotidianas nas favelas que não são documentadas. As pessoas não têm onde serem acolhidas e sofrem as consequências emocionais, físicas e financeiras. É nossa responsabilidade encontrar caminhos a partir do reconhecimento de direitos”, declara Pedro Strozenberg, ouvidor-geral da Defensoria, que esteve à frente do projeto.
Nesta parte final do relatório “Circuito Favelas por Direitos”, também foi acrescentado depoimentos dos participantes e uma linha do tempo da intervenção -- além de um capítulo dedicado à leitura jurídica de violações de domicílio e o assédio sexual.
Recomendações
Ao final, o relatório propõe um conjunto de 16 recomendações que visam contribuir sobre a dinâmica da política de segurança pública. Strozenberg citou o exemplo da Ação Civil Pública (ACP) do Complexo de Favelas da Maré como medida positiva que tenta reduzir o nível de letalidade das operações.
O documento “Circuito Favelas por Direitos” indica a necessidade de ampliar os mecanismos de controle da atividade policial, monitorar o impacto das operações nos serviços públicos como saúde e educação por conta da violência, implementação de políticas de redução de danos e cursos de capacitação com promotores e defensores. Além disso, existe a sugestão de um plano estadual de segurança pública que estabeleça metas de efetividade em locais onde as operações são frequentes e identificação alfanumérica dos agentes de segurança.
Participaram do Circuito, entre outras instituições e associações de moradores, a Subsecretaria de Estado dos Direitos Humanos, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), Defezap, Fala Acari, Papo Reto, Federação de Favelas do RJ e o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Luiza Mahin. O relatório final do Circuito estará disponível no site da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ) até o final da semana.
Edição: Jaqueline Deister