O livro “Vidas Atingidas - Histórias coletivas de luta na Baía de Sepetiba” traz perfis coletivos de moradores do entorno da Baía de Sepetiba, localizada na zona oeste do Rio de Janeiro. O Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS) realizou o lançamento da publicação nesta quarta-feira (19) no Armazém do Campo, no centro da cidade. Na programação, roda de conversa, distribuição de exemplares, exposição fotográfica e um lanche agroecológico produzido pelas Mulheres de Aroeira, também da zona oeste.
Iara Moura, que é uma das autoras do livro, destaca a luta dos moradores contra a violações de direitos no contexto de megaeventos, siderúrgicas e portos na região. Em entrevista concedida à apresentadora Denise Viola, no Programa Brasil de Fato RJ, a jornalista e integrante do Instituto PACS conta sobre a construção coletiva do livro com fotografias de Anette Alencar.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Conte um pouco mais desse conteúdo pra gente?
Iara Moura: O Instituto PACS tem 32 anos de atuação no Rio de Janeiro e, não por acaso, tem escolhido a zona oeste da cidade como principal lugar porque é justamente nessa zona onde estão os bairros mais populosos, onde mora proporcionalmente a população mais negra, onde estão as populações tradicionais de pescadores, onde estava outrora o que se convencionou chamar de sertão carioca. É uma zona que também concentra uma riqueza natural e humana muito grande.
Tem lá o Maciço da Pedra Branca e a Baía de Sepetiba que é super invisibilizada. Temos no Rio de Janeiro a Baía de Guanabara que sempre aparece, liga a cidade à Niterói, mas também a Baía de Sepetiba que tem os portos. O Instituto tem se debruçado ao longo da sua existência sobre como as pessoas vivem nessa zona da cidade e como são diretamente impactadas pelo o que a gente chama de megaprojetos que são portos, siderúrgicas, empresas de grande porte, megaeventos, Copa, Pan, Olimpíadas e que tem como sede essa zona da cidade.
É curioso como não se fala das vidas atingidas e dos impactos sobre quem vive nesses locais onde acontecem os megaeventos e são desenvolvidos os megaprojetos.
Exatamente. Essa publicação “Vidas Atingidas - Histórias coletivas de luta na Baía de Sepetiba” lança olhar sobre quem são esses sujeitos, formada grande parte por mulheres, que fazem da Baía de Sepetiba sua morada, seu lugar de sustento e produção de vida contra esses projetos que, pra nós, são de produção de morte.
Os megaeventos, os portos e as siderúrgicas que produzem poluição, apropriam recursos naturais, interrompem vidas e modos de produção de viver. São essas pessoas anônimas que pra nós fazem um milagre de fazer a vida acontecer no seu dia a dia, pescando, apanhando mariscos, sendo jovem, convivendo com a contradição de viver em um bairro que não tem politicas públicas de ensino e educação e se deslocam grandes distâncias pra ter acesso a direitos básicos. Mulheres que fazem projetos de cartografia social ou que se lançam sobre seus territórios pra compreender e resistir a esses processos de violações de direitos.
Explica melhor pra gente esse recurso de cartografia social?
Essa é uma metodologia de educação popular de pesquisa participante, mais do que isso, de militância investigativa. Esse é um dos processos vividos por um grupo de mulheres lá na zona oeste no entorno da Baía de Sepetiba, que fizeram durante três anos um projeto de mapeamento tanto dos conflitos decorrentes dos megaprojetos quanto do que elas chamam de anúncios. Coisas que impactam a vida delas de maneira negativa e como elas se organizam como mulheres autônomas pra garantir suas condições de vida e denunciar essas situações.
Tem um mapa que foi feito por meio de ilustrações disponível no site e pra nós é uma experiência exemplar desse instrumento que é a cartografia social, de compreender a realidade de um território para além da geografia oficial.
Conte um pouco sobre essa construção coletiva do livro “Vidas Atingidas - Histórias coletivas de luta na Baía de Sepetiba”?
Na verdade, este é o segundo livro, que a gente entende como uma série. Na época das Olimpíadas fizemos o primeiro que chama “Atingidas – História de vida de mulheres na cidade olímpica”. Que eram perfis de mulheres que tiveram sua vida diretamente atingida pela realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro. Tem a Indianara que é uma mulher trans e se apresenta como prostitua, traz a Maria da Penha, que teve a sua casa derrubada na Vila Autódromo, símbolo da resistência contra as remoções forçadas por conta das Olimpíadas, uma série de perfis nesse sentido.
Esse segundo vai trazer perfis das pessoas que vivem no entorno da Baía de Sepetiba, que é super invisibilizada. Nesta segunda edição são perfis coletivos, então não é individualizado. Perfis coletivos de Santa Cruz, último bairro já na fronteira da zona oeste, de jovens moradores que protagonizam um processo de vigilância popular em saúde pra medir a qualidade do ar da sua comunidade. Em Santa Cruz é onde a gente tem a maior siderúrgica da América Latina. Traz o perfil das marisqueiras de Sepetiba, contrariando a paisagem dos portos, ainda tem esse modo de vida tradicional vivo. Do marisco reinventam sua vida e tiram seu sustento.
O livro todo é muito coletivo, feito por muitas mãos. Tem a fotógrafa Anette Alencar, que tem uma trajetória de fotografar manifestações e movimentos sociais e se prontificou a participar do projeto. Somos duas jornalistas, eu e Janaína Pinto, e toda uma equipe que ajudou na revisão e concepção e que contribuiu para que essas histórias tão potentes fossem documentadas.
Edição: Jaqueline Deister