O acordo entre a Embraer e a fabricante estadunidense Boeing, anunciado oficialmente na última segunda-feira (17), foi recebido com críticas e preocupação por especialistas que acompanham o setor.
A medida, que vinha sendo costurada desde o final de 2017 e é defendida tanto pelo governo de Michel Temer (MDB) quanto por Jair Bolsonaro (PSL), implica a criação de uma joint venture, que consiste na criação de uma nova empresa a partir das duas companhias.
Temer e sua equipe têm afirmado que a fusão seria vantajosa para o Brasil. O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão, disse à imprensa, nessa segunda-feira (17), que o negócio seria “vital” para que a Embraer possa “enfrentar a concorrência internacional”.
A declaração é contestada, por exemplo, pela economista Renata Belzunces, técnica do Dieese. Ela alerta que na prática, pela forma como a transação vem sendo acertada, a Embraer será quase totalmente vendida e tende a perder importância e presença no mercado. Isso porque as normas do acordo preveem que a Boeing passe a controlar 80% do novo negócio, deixando a fabricante brasileira com 20%.
Além disso, após os dez anos de duração da joint venture, a empresa estadunidense terá direito à compra dos 20% da Embraer. A transação total do negócio é avaliada em U$ 5,26 bilhões.
Outro ponto crítico do acordo diz respeito aos setores de produção que estão sendo negociados: a Boeing deverá ficar com a parte de aviação comercial, considerada a mais rentável da empresa, enquanto à Embraer restarão os segmentos de aviões de defesa aérea e aviação executiva. Este último envolve a produção de jatinhos.
Segundo dados oficiais da empresa, o faturamento da Embraer teve, em 2017, participação de 16% do setor de defesa e 26% da aviação executiva. Já a parte de produção de aviões comerciais foi responsável por 58% dos lucros.
Belzunces afirma que o negócio entre a Boeing e a Embraer compromete a soberania nacional e coloca em risco a viabilidade da fabricante brasileira.
“Não se trata de uma fusão ou combinação de negócios; se trata de uma compra. E a gente não tem, de fato, elementos econômicos e técnicos que garantam a sobrevivência do que vai restar da Embraer”, aponta a economista.
Em nota técnica divulgada em outubro deste ano, especialistas do Dieese ainda realizaram outros alertas. Um deles diz respeito aos possíveis impactos na economia brasileira. Com a transação entre Boeing e Embraer, a fabricante estrangeira pode, pelo acordo firmado, remanejar 100% dos trabalhadores das atividades da aviação comercial para a nova empresa que será criada, o que traz a possibilidade de os postos de trabalho ficarem nos Estados Unidos, sede da Boeing.
“Há um temor imediato com relação aos 16 mil empregos que a Embraer tem diretos no Brasil, fora os indiretos, que são completamente dependentes destes e vão desde pequenos e médios fornecedores, até a [questão da] economia que ela faz girar onde está instalada”.
Empregos
A projeção é de que a transação atinja fortemente o Vale do Paraíba (SP), por exemplo, onde se situa a sede principal da Embraer. Por conta disso, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou, em julho deste ano, com uma ação civil pública na Justiça Federal.
O órgão pede que a União seja obrigada a condicionar a transação entre as empresas à garantia da manutenção dos empregos. Em audiências anteriores ocorridas entre o MPT e representantes das companhias, as duas fabricantes negaram o pedido.
Na ação judicial, o MPT pede também que a produção das aeronaves não seja transferida para o exterior. O pedido ainda não foi julgado pela Justiça e a notícia do avanço das negociações entre as duas companhias piorou o clima entre os trabalhadores da empresa, que vivem um contexto de tensão com as cerca de 800 demissões já promovidas pela Embraer desde o início deste ano.
“Se as duas estão dizendo que o negócio é bom, mas não garantem emprego, então, pro trabalhador, é óbvio que não é bom. É bom só para os acionistas. Então, o clima de apreensão é muito grande”, afirmou Herbert Claros, da direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (Sindmetal-SJC), em entrevista ao Brasil de Fato.
O acordo entre Boeing e Embraer precisará agora da aprovação do governo brasileiro. Apesar de a fabricante nacional ser privatizada, ela conta com forte apoio do Estado e tem a União como detentora de uma ação especial, a chamada golden share, que garante poder de veto em determinadas decisões da gestão da companhia.
O Palácio do Planalto tem 30 dias para se pronunciar, o que faz com que a decisão possa se dar ainda na gestão Temer ou somente em janeiro, já sob o governo Bolsonaro.
Edição: Mauro Ramos