A redução da desigualdade de renda no Brasil parou pela primeira vez em quinze anos. O dado foi apresentado pelo relatório “País estagnado: um retrato das desigualdades brasileiras”, da Oxfam Brasil, lançado nesta segunda-feira (26). O estudo é feito anualmente pela organização.
Baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pnad Contínua, o documento aponta que, em 2016, pessoas negras tinham 57% do rendimento médio de pessoas brancas. No entanto, em 2017, o número caiu para 53%. No mesmo período, a equiparação salarial entre mulheres e homens também recuou pela primeira vez em 23 anos. Em 2016, as mulheres ganhavam 72% do salário de um homem. Em 2017, passaram a ganhar 70%.
O relatório ainda mostra que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil passou a ocupar a 9ª pior posição em 2018, em termos de desigualdade de renda, em um conjunto de 189 países.
“Não há país que dê certo com esse grau de desigualdade. Nas assembleias e Câmaras de Vereadores, vemos poucas mulheres, poucos negros, poucos pobres. Nossas políticas dão poder àqueles que têm mais poder. É um sistema que mantém e aumenta a desigualdade”, afirma Oded Grajew, presidente do Conselho Deliberativo da Oxfam.
Balanço negativo
O estudo também evidencia que, pelo terceiro ano consecutivo, houve um crescimento no número de pessoas pobres -- que sobrevivem com uma renda de US$ 1,90 por dia, pouco mais de R$ 7,00, de acordo com critérios do Banco Mundial. A tendência foi iniciada em 2015 e se aprofundou com a crise econômica e com os ajustes fiscais feitos pelo governo Temer.
A aprovação da Emenda Constitucional 95, que impõe um teto para despesas públicas em áreas sociais por 20 anos, é outro elemento-chave na perpetuação da desigualdade no país. O estudo da Oxfam alerta que, com a aprovação da emenda, o país retrocedeu 17 anos em volume de investimentos sociais no orçamento federal.
“O Brasil estava vindo em uma toada de priorização da área social por um bom tempo, e de repente isso se perdeu. A priorização de programas sociais saiu do radar do governo pós-impeachment. Saiu do radar do debate político, e isso é gravíssimo. Esse é o grande retrocesso”, avalia Rafael Georges, coordenador de Campanhas da Oxfam Brasil e autor do relatório.
Ele critica a linha política adotada pelo governo e pela maioria dos representantes políticos nos últimos anos. “Existe uma elite no Brasil que nunca se importou muito com o tamanho da desigualdade, nunca teve como horizonte a mobilidade social, a retirada das pessoas da pobreza e a inserção na economia. Essa elite defende uma agenda de enxugamento do Estado disfarçada de agenda de ajuste fiscal”.
O novo relatório reforça que não há apenas um fator responsável por levar o país ao cenário de desigualdade no qual se encontra, e sim, um conjunto de elementos. O sistema tributário atual, por exemplo, no qual quem ganha menos paga mais impostos, é um dos mais impactantes.
“O que o mais pobre ganha em não pagar imposto direto, seja porque é isento do imposto de renda, ou por não ter nenhum patrimônio, é castigado na tributação indireta. Aqui está o nó de como o sistema tributário produz desigualdade”, explica Georges.
Próximo governo
Na avaliação de Katia Maia, diretora executiva da organização e coordenadora do relatório, não é possível analisar elementos econômicos e de desenvolvimento de forma isolada do cenário político do país, já que a desigualdade é perpetuada por mais de uma razão.
“A crise econômica é uma delas, mas também as opções políticas, de ajuste fiscal, são opções feitas pelo governo que está aí e pelo processo que aconteceu. Tentar desvincular o econômico do político-social é um equívoco. Tentamos resolver a crise econômica pensando só na matemática dos números, sem entender que esses números têm rostos e endereços”, diz Maia.
Sobre a perspectiva de políticas contra a desigualdade no governo de Jair Bolsonaro, a diretora da organização menciona que o presidente eleito prometeu seguir a Constituição brasileira, e que a sociedade deverá estar atenta a qualquer desvio.
“Existem vários elementos na Constituição brasileira que caminham para uma sociedade mais justa. É muito importante ver o que vai acontecer assim que o presidente eleito e seu governo, sua equipe, tomarem posse. O mais importante é que não se deem passos atrás no que é o conjunto dos avanços que a sociedade brasileira conseguiu até agora”, alerta.
Para Rafael Georges, a política de diminuição do Estado e dos direitos sociais causa um conflito entre o que os brasileiros querem e entre aquilo que os governantes estão fazendo.
“A conta social vai chegar. Se não chegar diretamente, vai ser via eleitoral, então é importante que continuemos a tratar do tema da desigualdades e a ouvir a sociedade brasileira, porque só assim vamos nos fazer ouvir para quem está hoje no poder no Brasil, seja estadual, municipal ou federal”, finaliza o representante da Oxfam.
Edição: Daniel Giovanaz