Um vídeo que circulou nas redes sociais no último sábado (24) mostra o recém-eleito deputado federal Daniel Silveira (PSL/RJ) fazendo ameaças à gestão do Colégio Estadual Dom Pedro II, em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro.
O deputado, que ainda não tomou posse do cargo, declara: “Professores de esquerda tem o meu desprezo”, dizendo que vai mandar uma auditoria fiscalizar supostas irregularidades na escola. A competência, que Daniel Silveira desconhece, cabe ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) e à Secretaria Estadual de Educação.
Durante a campanha eleitoral, o então candidato pelo mesmo partido do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), rasgou uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSol).
No vídeo, o ex-policial militar argumenta que “pode entrar em qualquer estabelecimento sem permissão”. A diretora do Dom Pedro II em Petrópolis, professora Andréa Nunes, repreendeu os funcionários que autorizaram a entrada do deputado eleito sem o aval da direção na escola.
“Se você tem todo esse medo, diretora, ainda mais vindo de um deputado federal com vertente conservadora que combate a ideologia socialista/comunista, isso me cheira à merda. Vou solicitar uma auditoria na sua escola desde o princípio de sua gestão, para ver se está tudo certinho, e se você detém a moralidade da maneira como diz”, ameaçou Silveira, após entrar no colégio.
Para o professor de história Yuri Moura, a declaração do deputado eleito demonstra profundo desconhecimento da realidade do ambiente escolar. “A gente vive um momento de perseguição contra os educadores. Tentam nos acusar de doutrinadores e, ao mesmo tempo, ignoram as condições de trabalho que a gente tem. Esse tipo de discurso fácil, contraditório, está se disseminando, e vem junto ao incentivo da perseguição”, diz o Educador Popular de Petrópolis.
Em nota, a Associação dos Diretores de Escolas Públicas do Estado do Rio de Janeiro (ADERJ) condenou as declarações do deputado e defendeu a atitude da diretora, que detém competência legal de autorizar ou não o ingresso de qualquer pessoa estranha em prédios sob a gestão do Estado do Rio de Janeiro.
“A conduta do candidato eleito se revela arbitrária, abusiva e indigna para alguém que, em breve, será investido em cargo público parlamentar, merecendo o repúdio de toda a comunidade de diretores e de professores”. A ADERJ ainda cobrou que o Ministério Público (MP) tome providências sobre o caso.
Escola sem Censura
“O marxismo cultural não será implantado”, continua Daniel Silveira (PSL/RJ), no vídeo, incentivando uma perseguição já em curso aos professores dentro de sala de aula: “Iremos criminalizar e punir qualquer professor ou diretor que esteja doutrinando adolescentes com ideologia socialista ou comunista”.
A professora da rede estadual Alessandra Tavares afirma que, aprovado ou não, o "Escola sem Partido" já representa um retrocesso -- principalmente, para a luta das minorias.
“Toda uma mentalidade que transforma o professor e a escola como inimigo de certa moral já está presente. Vivemos a volta de discursos de Democracia Racial. A desqualificação de nossos lugares de fala e das identidades raciais de nossos alunos, que não se sentem representados pelos materiais didáticos e conteúdos propostos”, alerta Alessandra.
Moura aponta para uma educação que direcione a formação humana e o pensamento crítico. “Não foi fácil chegar onde estamos hoje na história da educação brasileira. Em 2019, o “Escola Sem Partido” vai dar muito trabalho, mas tenho certeza vamos resistir”, conclui o professor.
A Associação Petrolina dos Estudantes (APE) divulgou neste domingo (25) uma nota em repúdio às declarações do “aspirante a deputado”, que “de forma lamentável, fez um vídeo ofensivo contra professores e contra a diretora do Colégio Estadual Dom Pedro II em Petrópolis, falando sobre coisas as quais nem conhece. Copiando uma prática idêntica daqueles que o apoiam, ao propagar mentiras e em tom de ameaça”.
O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE/RJ) também se manifestou sobre o conteúdo do vídeo. A entidade ressaltou o compromisso com o pluralismo de ideias e autonomia dos profissionais de educação.
O SEPE-Petrópolis ainda alerta que as declarações do deputado ferem as liberdades democráticas previstas na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), além de ir contra os princípios do Estado Democrático de Direito e a dignidade da diretora.
“O papel do parlamentar é fiscalizar e garantir que o poder público cumpra sua parte, vistoriando a infraestrutura, verificando se estão sendo garantidas condições adequadas à formação e rotina de trabalho dos educadores, recursos suficientes para ensino e aprendizagem, e não para arbitrar conteúdos, metodologia de ensino e gestão”, diz a nota.
Os alunos do Colégio Estadual Dom Pedro II em Petrópolis se mobilizaram em solidariedade à diretora Andréa Nunes, em defesa de uma educação de qualidade e livre de perseguições. O ato “Somos todos Andréa” vai acontecer nesta quarta-feira (28) às 11h50 no colégio e conta com mais de 160 pessoas confirmadas.
Edição: Daniel Giovanaz