Um espaço de resistência e valorização dos saberes e práticas ancestrais do povo negro está localizado em plena cidade de Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Com mais de 70 anos de história, o Quilombo do Grotão consolidou-se como território de cultivo das raízes da cultura afro-brasileira no estado.
A história do Grotão começou nos anos de 1920, quando Manoel Bonfim e sua esposa Maria Vicência, descendentes de negros escravizados no estado do Sergipe, chegaram ao município para trabalhar na Fazenda Engenho do Mato, responsável pela produção em larga escala de banana prata e hortifrutigranjeiros para o município de Niterói (RJ).
Renatão do Quilombo, neto de Manoel Bonfim e Maria Vicência e atual presidente da Associação da Comunidade Tradicional de Engenho do Mato, conta que na década de 1940 a história da sua família com a terra que hoje é o Quilombo do Grotão começou de fato a ser escrita.
“Minha avó veio para cá para fazer a farinha da fazenda e trabalhou 28 anos, até que a fazenda faliu. Como indenização, os donos da fazenda deram seis alqueires de terra para a gente e 2 mil mudas de bananas. Vovô plantou as bananas e começou outro ciclo”, conta a liderança.
A permanência na terra
A vida da família Bonfim transcorreu com normalidade até 1956, quando a especulação imobiliária começou a assolar pelas terras do bairro que ficou conhecido como Engenho do Mato, na periferia de Niterói (RJ). Nos anos de 1960, o Estado precisou intervir para redividir as terras e assegurar que a família de Manoel e Maria permanecesse com a sua área que chegou a produzir até três mil quilos de bananas para os niteroienses.
Depois de resistir por 55 anos, o Quilombo do Grotão precisou travar a sua mais dura batalha pela permanência em 2003. Os moradores precisaram se organizar após a criação do Parque Estadual da Serra da Tiririca, em 1991, para evitar que a comunidade fosse extinta com a nova delimitação de área para a proteção ambiental.
"Em 2000 para 2003, fizeram o plano de manejo e veio uma surpresa para a gente: seríamos desapropriados. Foi a verdadeira resistência. Iniciaram reuniões que nós não podíamos participar porque não tínhamos entidades representativas, associação, e para a gente conseguir participar e fazer parte do Conselho do Parque, nós começamos a fazer algumas feijoadas na lenha para arrecadar dinheiro e fazermos a nossa associação. Foi uma reinvenção o que a nossa comunidade fez para continuar com a cultura afro-brasileira”, conta Renatão.
Reconhecimento
Hoje, na sexta geração da família Bonfim, o Quilombo do Grotão consolidou-se como celeiro da resistência da cultura negra na cidade. Com cerca de 60 pessoas, o quilombo foi reconhecido em 2016 pela Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura voltado para a preservação da cultura afrodescendente. A Fundação certificou a autenticidade da comunidade tradicional que se autodefine como quilombola.
Além disso, o Quilombo do Grotão também se tornou Ponto de Cultura pelo programa Rede Cultura Viva de Niterói que traça um mapeamento de toda a produção cultural da periferia do município, com o objetivo de aumentar a interlocução entre a prefeitura e as ações realizadas em nível local. Atualmente, o Quilombo do Grotão promove atividades que vão desde oficinas com ervas medicinais para a produção de sabonetes, até aulas de percussão, capoeira e artesanato. O Grotão se tornou um espaço de referência também para os amantes da tradicional feijoada e da boa roda de samba.
Quilombos pelo Brasil
Segundo a Fundação Cultural Palmares, o estado do Rio de Janeiro possui 40 comunidades remanescentes de quilombos reconhecidas e 3.204 foram certificadas em todo o Brasil. Atualmente, 243 comunidades tradicionais aguardam o processo de certificação.
Na História do Brasil, os quilombos ficaram conhecidos como marcos na resistência do povo negro contra o regime da escravidão. A organização econômica baseada na agricultura de subsistência, as táticas de guerrilha e a organização política foram as marcas principais destes espaços. O Quilombo dos Palmares é o mais conhecido. Formou-se no início do século 17 e durou por quase cem anos, localizava-se na Serra da Barriga, região hoje pertencente ao estado de Alagoas.
Edição: Mariana Pitasse