Ainda que Brasil esteja com a economia destroçada, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato preveem que governo Bolsonaro deve ter como principais beneficiados as instituições financeiras, as multinacionais e o agronegócio.
De acordo com a análise de João Sicsú, professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), durante o novo governo a economia brasileira será comandada, de forma ainda mais direta, “por interesses ligados ao mercado financeiro e as empresas estrangeiras, sobretudo ligadas ao setor do petróleo”. Ele explica que isso não se dará mais por meio de “pressão e lobby, mas como organização de poder, como governo”.
Para Sicsú, o cenário estipulado por Paulo Guedes à frente da economia deve ser no sentido de se “estrangular o orçamento e reduzir a carga tributária. Reduzirão de forma drástica os serviços que o Estado presta à sociedade”. De todo modo, ressalta ele, “garantirão no orçamento a fatia destinada ao setor financeiro”.
Conforme a música que já toca no Brasil há algum tempo, portanto, o setor financeiro será prioridade – e não corre riscos de ver seus interesses prejudicados no novo governo. Pelo contrário.
Com Joaquim Levy (que implementou uma agenda amarga à economia como ministro de Dilma) à frente do BNDES, Roberto Campos Neto (neto do histórico liberal Roberto Campos) no comando do Banco Central e Guedes no Ministério da Fazenda, “todos os setores ligados direta ou indiretamente ao sistema financeiro devem ser beneficiados”, afirma Kliass. “O país está quebrando”, com desemprego e falências, “e os bancos e instituições financeiras apresentando lucros bilionários”, destaca o especialista.
Aqui, cabe lembrar que com a economia estagnada, a inflação encontra-se abaixo de 5%, e a taxa básica dos juros da economia (a taxa Selic, definida pelo Banco Central), encontra-se em seu mais baixo patamar desde que foi instituída na década de 1990. Mas os juros bancários seguem criminosos. O spread bancário no Brasil (a diferença entre o custo de captação do dinheiro pelos bancos e os juros cobrados junto a seus clientes) é um dos maiores do mundo.
"Céu de Brigadeiro" para instituições financeiras, multinacionais e agronegócio
Com esse “Céu de Brigadeiro” para as instituições financeiras, cresce a cobiça sobre a Previdência Social (ler abaixo). “Você tem um desejo muito grande do capital financeiro de abocanhar esse setor da economia”, ressalta Kliass.
As perspectivas no governo Bolsonaro para as empresas multinacionais também tendem a ser promissoras – bem como para o agronegócio, cuja rotina se aproxima bastante à das multinacionais.
Após a Reforma Trabalhista e com base em novas medidas prejudiciais aos trabalhadores, o novo governo deve contribuir para que essas companhias possam “diminuir custos para aumentar a margem de lucro”, conforme explica João Sicsú.
A equipe de Paulo Guedes deve “reduzir o custo empresarial de forma intensa e rápida. Resumidamente, a ideia é reduzir o custo do trabalho, restando somente o salário, sem nenhum outro direito”, acrescenta Sicsú. Será, nesse sentido, um retrocesso a um ambiente histórico de relação entre capital e trabalho que remonta aos primórdios do capitalismo.
Sicsú conclui seu raciocínio nesse ponto destacando que “quando se corta direitos trabalhistas, está se exportando consumo interno”, de modo que “nosso mercado de consumo interno tende a ficar muito fraco”.
No rol dos principais prejudicados na “nova” economia brasileira, Kliass destaca, além da grande maioria da população trabalhadora, os funcionários públicos e os segmentos da agricultura ligados aos assentamentos e à expectativa da Reforma Agrária no país.
Liberalismo e desmonte social
Se a situação já não é nada boa do ponto de vista do mercado de trabalho, um aspecto preocupante é o de que essa população que se encontra desamparada, do ponto de vista do emprego, deve começar a enfrentar dificuldades gradativas “do ponto de vista dos serviços públicos que o Estado tem que oferecer”, explica Kliass.
A professora da UFRJ Esther Dweck registra que isso deve representar uma diferença grave em relação aos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso, que foram liberais na economia, mas que vieram logo depois da Constituição Federal de 1988, e, portanto ainda traziam um respaldo importante à população quanto aos direitos sociais.
A agenda de Bolsonaro deve ser marcada por uma economia mais liberal e por menos direitos sociais. Com isso, “vai combinar o liberalismo econômico com uma parte social de desmonte. Essa combinação é muito perigosa”, alerta a professora.
Os cortes sociais que se delineiam no horizonte brasileiro são extremamente seletivos, conforme explica Pedro Rossi. Além disso, são cortes que “prejudicam os mais pobres e são machistas, porque as mulheres se prejudicam mais quando os serviços sociais são cortados”. Rossi, que organizou um livro sobre o tema, explica que tais cortes são também racistas, “porque as periferias são mais prejudicadas, os negros são mais prejudicados, tanto no mercado de trabalho, na informalidade, quanto nas estatísticas, por exemplo, de violência”. De acordo com o docente da Unicamp, trata-se ainda de “um corte de gastos que prejudica o meio ambiente, a saúde das pessoas, as gerações futuras e o bem-estar social do Brasil”.
O gasto social no Brasil distribui muito a renda. “O Brasil é o país da América Latina que mais reduz a desigualdade por meio do gasto social – em particular a saúde, educação e previdência”, conforme destaca o professor Rossi. Para ele, “a desconstrução desse gasto social vai gerar efeitos muito perversos na sociedade brasileira”. Sociedade essa marcada por um nível de desigualdade social já absurdo, diga-se de passagem. Uma desigualdade que, nos últimos anos, voltou a crescer, após anos de queda.
Logicamente, esse liberalismo econômico e desmonte social deverá vir acompanhado de privatizações de importantes empresas do Estado brasileiro (leia outra matéria). Tal combinação deve representar foco sensível de tensões sociais e de problemas concretos para a população. “Esse é um coquetel que não vai conseguir dar nenhuma resposta para as necessidades e para a superação da crise como o Brasil precisaria”, afirma Kliass.
Outro foco de tensão importante deve se dar na política externa e comercial brasileira, conforme já se visualizou a partir de declarações de Guedes sobre o Mercosul e de Bolsonaro sobre Israel e Jerusalém.
Esta é a terceira e última reportagem da série produzida por Antonio Biondi e Napoleão de Almeida, que abre espaço para alguns dos principais economistas do país analisarem o cenário pré-Bolsonaro e projetarem os impactos do novo governo para o setor. Leia também a primeira e a segunda matérias, publicada nos dias 21 e 22 de novembro.
Edição: Daniela Stefano