Linhas coloridas e tecidos estampados podem esconder à primeira vista todas as problemáticas que envolvem cada uma das arpilleras, apesar de algumas serem bastante explícitas em relação ao seu conteúdo. As 20 peças que compõe a exposição “Arpilleras: bordando a resistência”, que está no Centro Cultural da Justiça Federal, passaram por uma curadoria minuciosa do Coletivo de Mulheres do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Além do cuidado em relação à diversidade regional, houve também uma preocupação de selecionar obras que conseguissem abarcar as diversas formas de violação e negação dos direitos das mulheres atingidas por barragens constatadas nos últimos anos. No ano de 2010, por exemplo, o Estado brasileiro reconheceu formalmente no relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que 16 direitos humanos são violados sistematicamente na construção de barragens.
De acordo com Daiane Hohn, integrante do Coletivo de Mulheres do MAB, dentro desse universo de abuso institucional contra as populações atingidas, as mulheres são as principais vítimas. “Existe um debate que vem sendo construído há muitos anos, que constatou e elaborou as especificidades das violências sofridas pelas mulheres atingidas; as arpilleras entraram justamente nesse processo, corroborando pontos já destacados e também jogando luz sobre novos elementos”.
Consolidadas na experiência de mulheres chilenas que se utilizaram da costura como forma de denúncia contra a ditadura militar no país [1973-1990], as arpilleras chegaram ao Brasil em 2013 e se transformou em uma ferramenta de educação popular e auto-organização feminista dentro das regiões afetadas pela construção de barragens. Desde então, já foram confeccionadas cerca de 100 peças, que envolveram aproximadamente 900 mulheres atingidas.
Nessa exposição, que já esteve no final de 2015 no Memorial da América Latina em São Paulo, foram escolhidas 20 peças divididas em seis eixos temáticos. Confira abaixo a explicação de cada um deles:
Eixo 1: Mundo do trabalho
Muitas mulheres atingidas por barragens mantém trabalhos informais, sem registro, o que gera uma invisibilização e negação de seus direitos. Muitas delas são as responsáveis pelas tarefas domésticas ou por manter a roça familiar. Com a chegada das obras, muitas empresas não reconhecem esses trabalhos e acabam negando o direito à justa indenização.
Eixo 2: Participação política e relação com as empresas
Geralmente, as empresas adotam um conceito patrimonialista de “atingido”. Por isso, reconhecem apenas os que têm a posse legal da terra para meios de reparação. Como na maioria dos casos as terras ou casas estão no nome dos homens, às mulheres é negado o direito ao reassentamento ou indenização. Além disso, elas enfrentam uma resistência dentro da própria organização em nível local, devido ao machismo que também assola as populações atingidas. As arpilleras estão funcionando como uma potente ferramenta de auto-organização.
Eixo 3: Água e energia
No atual modelo energético, a água e a energia se tornaram mercadorias, que geram lucros extraordinários para as empresas e prejuízo para os cidadãos. No Brasil, a principal fonte de geração de eletricidade é hídrica, que é a mais barata. Entretanto, os/as consumidores/as brasileiros/as pagam uma das tarifas mais caras do mundo. Além disso, os direitos das populações atingidas são tratados pelas empresas como custos que devem ser reduzidos.
Eixo 4: Quebra dos laços comunitários e familiares
Com o deslocamento forçado de milhares de pessoas, os laços comunitários e afetivos são muitas vezes prejudicados ou rompidos. Vizinhos são separados por quilômetros e famílias são espalhadas entre diversas localidades. Além disso, toda a identidade da comunidade e das casas é dizimada por reassentamentos que, na maioria das vezes, são pré-fabricados pela empresa.
Eixo 5: Violência contra às mulheres e Prostituição
Com a ida de um enorme contingente de mão de obra, na sua grande maioria constituída por homens, os municípios que sediam as obras são afetados por um aumento exponencial no número de casos de violência contra a mulher, pedofilia e prostituição. De acordo com relatório da Plataforma DHESCA (2011), no município de Jaci Paraná (RO), onde está situado o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Jirau, os casos de estupros aumentaram em 200% desde o início das obras.
Eixo 6: Acesso a políticas públicas e Direitos básicos
Com a explosão demográfica decorrente da mão de obra que se desloca para trabalhar na construção das barragens, os já deficientes serviços públicos se tornam ainda mais escassos. Educação, saúde e segurança pública são alguns dos direitos que são prejudicados devido ao aumento populacional nos municípios que sediam as barragens.
Programação
As obras ficarão expostas no CCJF até o dia 2 de dezembro, das 12h às 19h – exceto as segundas-feiras. As visitações de grupos poderão ser agendadas anteriormente, de acordo com a disponibilidade das facilitadoras. Ademais, serão ministradas oficinas e rodas de conversa nas quais as atingidas ensinarão a técnica de confecção das arpilleras ao público interessado.
Haverá também, às 18 horas dos dias 29 de novembro e 1 de dezembro, duas exibições do documentário “Arpilleras: atingidas por barragens bordando a resistência”, que conta as histórias de dez mulheres atingidas por barragens de cinco regiões do Brasil. O longa-metragem foi premiado como melhor documentário no 44º Festival Sesc Melhores Filmes.
Edição: Mariana Pitasse