Uma operação na comunidade de Maracajás, no Galeão, localizada na Ilha do Governador, zona norte do Rio de Janeiro, surpreendeu moradores na manhã da última terça-feira (13). A remoção forçada de seis das 15 famílias que habitam um terreno da Aeronáutica, na Estrada dos Maracajás, mobilizou um forte aparato policial, além de oficiais da Aeronáutica e da Guarda Municipal.
Segundo relatos de moradores, ninguém conseguiu acessar o local onde acontecia a remoção, nem mesmo os próprios moradores, devido aos bloqueios feitos pelos oficiais na entrada principal da comunidade. Um vídeo, que circulou nas redes sociais durante a última terça-feira (13), mostra a confusão entre moradores e agentes do estado, que aparecem agredindo fisicamente quem tentava ultrapassar o bloqueio. De acordo com relatos, os oficiais também invadiram residências e fizeram uso de spray de pimenta contra a população.
O morador da comunidade de Maracajás, Leonardo Pereira, relatou o horror vivido por ele e sua família. "Entraram em nossas casas como se fôssemos bandidos armados, nos batendo e jogando spray de pimenta. Meu pai de 65 anos foi empurrado e bateu a cabeça em uma pedra no chão, minha vó de 95 anos foi escorraçada da onde sempre viveu", conta. Segundo ele, mais de 20 policiais e outros 20 oficiais da Aeronáutica cercaram a rua pela manhã, todos com fuzil e cães.
"Nenhum morador recebeu intimação de despejo até porque o advogado das famílias já tinha entrado com recurso. Eles se basearam em uma ação que já tinha sido derrubada de setembro do ano passado", acrescenta Leonardo.
A polícia ainda permaneceu no local, durante a tarde de terça-feira (13), esvaziando as casas. O cenário é devastador, segundo o ecologista Sérgio Ricardo, que participa do Conselho Popular em apoio às famílias de diversas comunidades contra as remoções. "Caminhões de mudança ficaram parados na calçada e pessoas sem saber para onde ir. O despejo arbitrário não prevê sequer aluguel social ou outra moradia que no mínimo amenizaria o trauma da remoção forçada”, comenta.
"Minha vizinha teve princípio de infarto, outro um corte profundo na mão provocado pela agressão dos policiais e soldados, ambos são pessoas idosas. O que fizeram com a gente foi uma barbárie", finaliza o morador.
Privatização
Desde a implantação do Aeroporto Internacional do Galeão, nos anos 1950, acontecem remoções nas comunidades do seu entorno, segundo Sérgio Ricardo. Milhares de pessoas tiveram que migrar para outras regiões como Duque de Caxias, Ramos e Seropédica, na Baixada Fluminense. Além da comunidade dos Maracajás, outras próximas também estão sendo ameaçadas hoje, como é o caso da comunidade do Galeão, formada por cerca de 15 famílias, que foram notificadas recentemente com ordem de despejo.
Sérgio Ricardo denuncia o pano de fundo desse conflito: o projeto da privatização do Aeroporto Internacional do Galeão prevê no edital da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) remoções de 12 mil famílias na região da Ilha do Governador, entre elas, as moradoras das comunidades do Tubiacanga, Parque Royal e parte da Vila Joaniza. De 2015 para cá, esse conflito tem se acirrado.
Durante a remoção, moradores de Maracajás alegaram estarem há mais de 90 anos na região, existência muito anterior a do aeroporto. “A Aeronáutica está fazendo o serviço sujo de retirar os moradores. São ações seletivas de remoção. Desde a privatização do aeroporto já foram demolidas casas da Radiosonda e aqui na Maracajás que hoje tá se efetivando”, acrescenta.
A moradora da Radiosonda, Edivalma Souza da Cunha, que também participa do Conselho Popular, relembra a vulnerabilidade das nove famílias que permaneceram em Maracajás após a remoção desta terça-feira (13). “Hoje foi bem difícil, são famílias que foram pegas de surpresa, várias pessoas machucadas, muita agressão. A gente teve que negociar pra não acontecer nada pior e os moradores acabaram saindo na paz”.
Em nota, a assessoria de imprensa do Comando da Aeronáutica (COMAER) informou que o terreno na Estrada Maracajá, Ilha do Governador, “estava ocupado irregularmente há muitos anos” e que a ação se deu após decisão judicial favorável à União e notificação prévia - que os moradores negam ter havido. “A ação contou com apoio do Comando da Aeronáutica, da Polícia Militar e da Guarda Civil Municipal para diversas atividades, tais como interdição e reforço da segurança nas vias públicas no entorno”, destaca a nota.
A Rio Galeão não conseguiu apurar sobre os processos de reintegração de posse até o fechamento desta matéria, mas informou ao Brasil de Fato que dará prioridade para este tema.
Edição: Mariana Pitasse