Neste domingo (28), o eleitor brasileiro irá às urnas em meio a um cenário de intensa polarização política e terá de escolher entre dois candidatos com perfis opostos. Fernando Haddad (PT) identifica-se com as forças de esquerda e de caráter progressista, enquanto Jair Bolsonaro (PSL) representa a extrema direita, e costuma reproduzir práticas e discursos associados ao autoritarismo.
Para além das diferenças que marcam a trajetória política e a postura individual de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), houve um intenso jogo de estratégias na disputa rumo ao Palácio do Planalto. O primeiro trabalhou para solidificar sua vantagem eleitoral nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, enquanto o segundo tentou ampliar a votação expressiva obtida no Nordeste e, ao mesmo tempo, recuperar os votos perdidos no Norte -- em comparação com o desempenho do PT em eleições passadas.
Os dois aglutinaram ao redor de si apoios de diferentes DNAs políticos ao longo do segundo turno, que teve início oficialmente no último dia 12 e se encerra neste sábado (27).
O líder do PSL tem ao seu lado, nesta fase da disputa, partidos como o PTB e o PSC, identificados com a pauta política conservadora. Além disso, teve visibilidade ampliada na TV Record nas últimas semanas. O candidato da extrema direita já havia recebido, antes do primeiro turno, o apoio declarado do dono da emissora, bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal. Para dialogar com esse público, explorou durante toda a campanha o que grupos conservadores convencionaram chamar de "ideologia de gênero" -- o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a exclusão de mensagens falsas contra o PT na internet, relacionadas ao suposto "kit gay".
Bolsonaro conta ainda com o apoio do agronegócio e dos latifundiários, do mercado financeiro especulativo, de parte expressiva da classe empresarial e de setores evangélicos conservadores.
Chapa PT/PCdoB/Pros
Em contraponto, Haddad e a candidata a vice Manuela d'Ávila (PCdoB) tentaram se aproximar das alas progressistas dentro das igrejas evangélicas neopentecostais, insistindo que a mensagem cristã é de amor, e não de ódio. Eles reuniram apoios de siglas como Psol, PROS, PSB, PSTU, PPL e parte do PDT. Alguns setores do PSDB também se manifestaram favoráveis à candidatura do petista, como o ex-governador de São Paulo Alberto Goldman.
Oficialmente, o PSDB não declarou apoio a nenhum dos candidatos, mas liberou os membros para votarem como quiserem, assim como fizeram outras legendas. Entre elas, estão DEM, PR, PRB, Solidariedade e MDB, partido de Michel Temer.
Haddad tentou aglutinar o apoio de Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), ambos presidenciáveis pelos seus respectivos partidos no primeiro turno. Os dois não se engajaram diretamente na campanha. A ex-ministra declarou voto no petista há uma semana, enquanto Ciro ressaltou o receio diante do eventual avanço do projeto político de Bolsonaro.
“Não é basicamente um apoio ao Haddad e ao PT, mas sim, uma rejeição àquilo que alguns grupamentos políticos consideram que o Bolsonaro representa: um retrocesso que vai um pouco além do que seria o conservadorismo político, com algumas tintas e toques autoritários, por assim dizer. É a ideia do apoio crítico”, afirma o analista político Creomar de Souza.
Professor da Universidade Católica de Brasília, ele destaca ainda a busca do PT pelo apoio, durante este segundo turno, de setores mais progressistas da Igreja Católica, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), além do respaldo de parte da classe artística nacional, entre outros atores.
“O PT tem uma tradição que é hegemônica no que diz respeito à construção de parcerias, e isso foi gerando uma lógica em que temos uma eleição na qual a chapa do Haddad tem muitos mais apoios derivados inorganicamente do conjunto da sociedade do que de fato do sistema partidário”, analisa.
O cientista político Thiago Trindade, professor do Instituto de Ciências Políticas da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), ressalta a relação do PT com movimentos populares que têm longa trajetória de lutas sociais no país.
Ao mesmo tempo em que Bolsonaro conta com segmentos de direita – como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua, surgidos no embalo das manifestações de junho 2013 –, orbitam em torno da chapa PT/PCdoB/PROS o apoio de organizações como CUT, MST e MTST.
“É um apoio ao projeto do PT. É menos complexo, porque se trata de um apoio político-programático, independentemente de quem fosse o candidato do partido. O PT tem uma base social que ainda é passível de mobilização”, sugere o pesquisador.
Comunicação
O segundo turno das eleições presidenciais deste ano também foi marcado por fatores extraordinários, como, por exemplo, a ausência dos tradicionais debates entre os candidatos na TV. Em nenhum momento, os dois presidenciáveis ficaram cara a cara, por conta da ausência estratégica de Jair Bolsonaro.
É a primeira vez que isso ocorre no Brasil desde o retorno democrático pós-ditadura militar. Em alguns momentos, o candidato alegou oficialmente motivos de saúde, afirmando que ainda estaria com limitações relacionadas ao uso da bolsa de colostomia, implantada após o golpe de faca que sofreu em Juiz de Fora, Minas Gerais, há quase dois meses.
O representante da extrema direita participou apenas de dois debates na primeira fase da disputa, ainda no mês de agosto, e recusou o convite de seis emissoras neste segundo turno.
Em alguns momentos, Bolsonaro chegou a admitir à imprensa que a ausência se tratava de uma opção da campanha. O candidato do PSL lidera o ranking nas pesquisas de intenção de voto e estaria com receio de um confronto acirrado com Haddad, o que poderia prejudicá-lo na reta final. Nos bastidores e nas redes sociais, de modo geral, o candidato foi alvo de piadas e provocações por conta da negativa dos convites.
A campanha foi conduzida com base em aparições via imprensa e redes sociais, além da tradicional propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV. Como consequência, intensificou-se a mobilização também via WhatsApp, aplicativo que esteve no centro das polêmicas deste segundo turno.
Uma reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo na semana passada denunciou a existência de um esquema entre empresas apoiadoras de Bolsonaro e agências de mídia para o disparo de pacotes de mensagens de WhatsApp contra o PT.
A prática é ilegal porque caracteriza doação empresarial de campanha, proibida no país desde 2015. A denúncia teve ampla repercussão e levou à abertura de uma ação judicial no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A repercussão da reportagem provocou a emergência de outra polêmica relacionada a Bolsonaro: o candidato reagiu e criticou fortemente a Folha, afirmando que, em caso de vitória eleitoral, pretendia cortar as verba publicitárias para o jornal.
O sociólogo, jornalista e professor da Universidade de São Paulo (USP) Laurindo Leal destaca que a declaração do candidato precisa ser interpretada dentro de um contexto mais amplo, que é a posição de Bolsonaro em relação às liberdades.
“Ele já apontou em vários momentos que, caso seja eleito, vai tolher a liberdade de vários setores, começando pelos movimentos sociais. Dentro dessa série de restrições, obviamente, ele coloca a mídia que não lhe interessa. A censura do Bolsonaro é uma censura seletiva. Enquanto os meios de comunicação não incomodam, ele não toma nenhuma providência. [Em caso de] qualquer tipo de notícia que não lhe interesse, ele adota a postura fascista”, afirma.
Em relação à distribuição de verbas publicitárias, o candidato também coleciona ameaças semelhantes à Rede Globo.
Rede Record como aliada
Na última terça-feira (23), o apresentador Juremir Machado da Silva, da Rádio Guaíba, de Porto Alegre (RS), pediu demissão ao vivo depois de ter sua participação em um dos programas impedida por Jair Bolsonaro.
A emissora é filiada à Rede Record, e o candidato havia exigido que fosse sabatinado apenas por outro apresentador, conhecido pelos posicionamentos favoráveis ao líder do PSL.
Laurindo Leal sublinha que a postura de não aceitação de críticas da imprensa lembra os tempos da ditadura militar, quando os jornais eram censurados pelo regime e impedidos de publicar posicionamentos divergentes.
“Está na essência do comportamento fascista, que tem a censura como uma das suas formas de manutenção do poder. O problema é mais grave ainda porque uma atitude dessas, do presidente da República ou de um candidato, se multiplica na sociedade através da polícia, de juízes”, afirma.
Ele cita como exemplo o episódio em que exemplares de uma edição especial do Brasil de Fato foram recolhidos, no último sábado (20), por fiscais do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ) em Macaé. O material comparava as propostas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad.
Leal acrescenta que houve “diferenças substanciais” na conduta dos dois presidenciáveis em relação à imprensa, especialmente durante o segundo turno. Entre outras coisas, o petista defende a regulação da mídia – fortemente criticada por Bolsonaro –, como caminho para a democratização dos meios de rádio e TV.
“Com relação ao Haddad, não há, no meu ponto de vista, nenhuma ação concreta de criminalização ou de restrição ao trabalho da mídia. Ele vem seguindo aquilo que está no seu programa de governo, que é respeito total à liberdade de imprensa, e ao mesmo tempo, a ampliação dessa liberdade através regulação dos meios eletrônicos, que é a possibilidade de que mais vozes possam ser ouvidas na sociedade”.
A disputa do segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro ocorre neste domingo (28).
Edição: Daniel Giovanaz