Rio de Janeiro

SEGURANÇA

Por que o armamento não é a solução para a segurança pública?

Estatuto do Desarmamento, implementado em 2003, diminuiu a taxa de homicídios de 21,4% para 0,3%

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

Ouça o áudio:

Os EUA é um país em que mais civis possuem armas de fogo e tem a maior taxa de homicídios com arma de fogo do mundo
Os EUA é um país em que mais civis possuem armas de fogo e tem a maior taxa de homicídios com arma de fogo do mundo - Daniel Ramalho/ AFP

Até o ano de 2003, a população brasileira tinha fácil acesso as armas. Era possível comprar um revólver ou uma pistola em lojas de material esportivo, por exemplo. Porém, o que garantiria a segurança para muitos indivíduos estava, na verdade, contribuindo para aumentar significativamente a taxa de homicídios no Brasil. 

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) apontam que de 1995 até 2003, ano de criação do Estatuto do Desarmamento, a taxa de homicídio cresceu 21,4%. Nove anos após a implementação do Estatuto, a taxa caiu para 0,3%. De acordo com o Instituto, entre 2004 e 2012 mais de 120 mil pessoas tiveram suas vidas poupadas por conta do desarmamento. 

Para o professor Daniel Misse, do Departamento de Segurança Pública do Instituto de Estudos Comparados de Administração de Conflitos da Universidade Federal Fluminense (UFF), armar a população não traz mais segurança, pelo contrário. Segundo Misse, flexibilizar as leis para facilitar o acesso as armas podem fazer com que as taxas de homicídio no Brasil voltem a subir. 

“Eu acredito que a liberação do porte de arma terá um forte impacto sobre o indicador de latrocínio (roubo seguido de morte), que deve subir bastante, assim como também o de homicídios de forma geral, seja doloso (quando há intenção de matar) ou em decorrência de intervenção policial. Cerca de 70% das mortes em termos de homicídio doloso são ocasionadas por pessoas que portam arma de fogo, são tipos de crimes produzidos por determinada forma de agir. A liberação das armas pode incrementar reações violentas que não levam ao homicídio como uma briga de rua, de bar, uma discussão de trânsito, que pode passar a levar homicídio doloso também”, ressalta o professor. 

Violência doméstica 

Além do aumento da violência letal em situações rotineiras, outro ponto que preocupa entidades e pesquisadores é a possibilidade do crescimento dos casos de feminicídio, ou seja, o assassinato de mulheres baseado em questão de gênero. O Mapa da Violência de 2015 aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram por sua condição de ser mulher. As mulheres negras são ainda mais violentadas. 

Para a socióloga Adriana Mota, que coordena a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) no Rio de Janeiro, a liberação das armas no Brasil causaria impactos relacionados à violência contra a mulher e também a insegurança dos filhos. 

“O primeiro impacto é essa violência direta contra ela, sabemos que as mulheres são vítimas de violência e muitas são mortas. O Brasil é o 5° país no ranking internacional de feminicídio. Se uma pessoa tem acesso à arma, ela vai fazer uso dela para numa situação de resolução de conflito intervir usando a arma de fogo. O segundo impacto diz respeito a segurança dos filhos e filhas dentro de casa. As crianças têm acesso onde essas armas estão e elas estão carregadas dentro de casa e isso será uma preocupação a mais para nós mulheres”, afirma. 

Liberação das armas em outros países 

Os Estados Unidos são o país em que mais civis possuem armas de fogo. De acordo com uma reportagem da BBC, os EUA possuem a maior taxa de homicídios com arma de fogo do mundo. Somente em 2016 foram mais de 11 mil assassinatos. 

Para Misse, há uma associação errada de que mais armas geram menos violência. O professor explica que muitos utilizam o exemplo da Suíça, onde o porte de arma é liberado e há pouca violência para justificar o armamento. Contudo, segundo ele, é preciso analisar cada caso de forma distinta.  

“Se compararmos a Suíça com o Japão, que tem uma política de restrição de arma muito forte, possui uma ocorrência de homicídio inferior com o da Suíça. Se analisamos a Suíça que possui um Índice de Desenvolvimento Humano comparado com o do Japão, por exemplo, observamos que a Suíça possui mais ocorrência de homicídios. 

No Brasil, há uma forte movimentação, principalmente de setores conservadores para a flexibilização do porte de armas. Na Câmara dos Deputados já existe uma negociação para que o PL 3722/2012 seja votado em plenário - setores evangélicos querem suavização de alguns pontos do texto como a redução do número de munições mensais de 600 para 300 e a diminuição do número de armas que cada pessoa pode ter em casa de seis para três.

Edição: Mariana Pitasse