A data marca disputa entre cultura brasileira e festa de terror cooptada pelos Estados Unidos
Há alguns anos, o dia 31 de outubro é marcado por uma frase: travessuras ou gostosuras?
A pergunta é clássica, principalmente entre os mais jovens, que absorveram a cultura dos Estados Unidos e a festa Halloween, reproduzindo os costumes de uma celebração que não foi inventada no país norte-americano, mas que passou por um processo de transformação ao chegar no país.
Entre os povos Celtas, nas Ilhas Britânicas, região onde hoje é a Irlanda, há aproximadamente dois mil anos, existia a crença de que o 31 de outubro tinha a noite mais longa do ano.
Ainda de acordo com a história, essa noite abria um portal entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos, o que explicaria as bruxas e fantasmas que compõe o Halloween.
A migração em massa de Irlandeses para os Estados Unidos durante o século XVIII fez com que a festa ganhasse um outro teor, mais comercial e lucrativa, tornando-se uma das maiores celebrações do país.
É a partir dessa transformação nos Estados Unidos, e da penetração cultural que o país exerce no Brasil desde meados do século XX, que a festa do Halloween passa a operar com forte presença nas histórias de lendas e mitos brasileiros.
Desde então, pesquisadores têm se dedicado a entender como o folclore brasileiro e a identidade nacional, têm sido afetados pela cultura estrangeira e a invasão dessas festividades.
O geógrafo, jornalista e contador de causos, Mouzar Benedito explica que o Halloween chegou ao Brasil “com as escolas de inglês voltadas para a cultura dos Estados Unidos, não mais da Inglaterra, durante os anos 1990. O imperialismo imposto não é gratuito”, afirma.
Especialista em cultura popular e professor aposentado da UNESP, Alberto Ikeda argumenta que o crescimento do Halloween no Brasil está relacionado ao impacto que dinâmica da festa gera no público, principalmente infantil. “A festa do Halloween começou a partir de ações de cunho pedagógico, para depois extrapolar comercialmente. Tem a ver com a globalização, mas é preciso considerar o apelo que a festa tem para o público infantil”, analisa.
Um dos criadores da Associação Só Saci, fundada em 2003, em São Luiz do Paraitinga, em São Paulo, Mouzar Benedito explica que a organização que leva o nome do menino negro, de uma perna só, é uma espécie de resistência do folclore brasileiro.
O Dia do Saci, aliás, também foi instituído em 31 de outubro, como forma de contrapor a presença estrangeira na cultura nacional.
De acordo com Mouzar, iniciativas como a Só Saci estão proporcionado um resgate dos mitos nacionais na população. “A reação do público tem sido boa, melhor do que esperávamos. Houve uma tentativa de gozação no início. Jornalistas me perguntavam se eu já tinha visto Saci. Eu retrucava se ele já tinha visto bruxa voando, porque isso acham normal. Hoje, em vários livros infantis, o dia 31 é marcado como Dia do Saci”, conta.
Para o professor Alberto Ikeda, o lendário brasileiro está incorporado à educação nacional e tem sido reproduzido no ensino infantil com livros didáticos e na metodologia dos professores. “O lendário brasileiro permanece no mundo infantil, porque está incorporado na nossa educação e os professores fazem leituras dessas narrativas. Além disso, essas narrativas ainda são muito vivas em várias localidades. As pessoas creem nessas lendas”, comenta.
Em janeiro de 2014, o Estado de São Paulo oficializou o o 31 de outubro como Dia do Saci com a Lei nº 11.669.
Depois disso, algumas cidades adotaram o dia: São Luiz do Paraitinga, São José do Rio Preto, Guaratinguetá e Embu das Artes (SP); Vitória, capital do Espírito Santos; Poços de Caldas e Uberaba, em Minas Gerais; e Fortaleza e Independência, no Ceará.
Edição: Camila Salmazio