“Banir os marginais vermelhos”, “tipificar o MST e o MTST como terroristas”. Essas são algumas das promessas de campanha que Jair Bolsonaro (sem partido) não conseguiu concretizar nos dois primeiros anos de mandato. Como as ideias não saíram do papel, o presidente busca estrangular as organizações populares financeiramente e criminalizar a militância por meio de postagens nas redes sociais.
Embora os dois movimentos sejam tratados de maneira abstrata e superficial pelo presidente, eles reúnem milhões de trabalhadores que, devido à ausência do Estado, não tiveram outra escolha senão se organizar. É o que explica Natália Szermeta, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
"A maior parte das famílias que estão ou se deparam com a realidade de uma ocupação, ou estão em situação de aluguel muito alto, gastando todo o seu salário com aluguel e vivendo em situação precária, ou estão morando em casa de favor, de algum parente, em condições desumanas também. Nenhuma família vai para uma ocupação, pisar no barro, viver em um barraco de lona, em todas as condições que existem em uma ocupação, por escolha, ou porque é vagabundo, ou porque quer afrontar ou tomar o que é dos outros, nada disso. Elas vão porque é a realidade com a qual elas se deparam”.
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Para o advogado Leandro Scalabrin, membro da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), a ideia de tipificar o MST e o MTST como terroristas é uma das mais graves iniciativas de criminalização da luta social no Brasil desde a redemocratização do país.
"Para mim, essa é uma das mais graves propostas e tentativas de criminalização dos movimentos populares afirmada por um candidato à Presidência da República dos últimos anos no Brasil: criminalizar como terrorismo os movimentos reivindicatórios dos povos indígenas por demarcações, dos atingidos por barragens, que têm seus direitos violados pela construção de grandes projetos, o movimento da moradia, que realiza ocupações de vazios urbanos para a especulação imobiliária, e assim garantir a efetividade da função social da terra, e também os movimentos do campo, que ocupam os latifúndios improdutivos, reivindicando a reforma agrária”, explica.
Scalabrin acrescenta que a Constituição Cidadã relativiza o conceito de propriedade, no sentido de garantir que a terra, rural ou urbana, cumpra uma função social, como também determina diversos tratados internacionais aos quais o Brasil é signatário.
“Do ponto de vista dos direitos humanos, o discurso e a proposta do candidato significa um grave retrocesso em todos os compromissos que o Brasil assumiu no âmbito internacional e institucionalizou em nossa Constituição Federal. Porque a nossa Constituição estabelece que toda propriedade deve ser relativizada. A propriedade deve cumprir sua função social. E estabelece casos que, não cumprindo a função social, a propriedade poderá ser utilizada para fins de reforma agrária ou reforma urbana, para a construção de moradias para a população que necessita”, afirma Scalabrin.
Mas afinal, quem são esses movimentos?
MST: trabalhadores pelo direito à terra e aos alimentos
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) surgiu em 1984 e em mais de 30 anos, obteve conquistas significativas. Gilmar Mauro, da direção nacional do MST explica que, para além das ações de ocupações de latifúndio, o movimento tem um projeto amplo de preservação dos recursos naturais, promoção da agroecologia e produção de alimentos saudáveis.
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“É bom que se diga: o MST vai continuar ocupando terras no Brasil até que se faça a reforma agrária. Enquanto existir um sem terra no nosso país, o MST foi criado para isso: para organizar e para lutar. Mas o MST é produção, é agroecologia, é cultura, é arte, é educação, com os vários projetos de alfabetização de jovens e adultos pelo país afora, o MST é formação, é um movimento que está articulado internacionalmente com muitos movimentos sociais. O MST tem apoio da intelectualidade, de artistas brasileiros e de uma parcela significativa da população. Então nós não temos nenhuma dúvida de que esse ataque é parte dessa lógica de criminalização dos movimentos sociais que, aliás, estão fazendo com a pobreza no Brasil, com as periferias, com os negros, com os homossexuais, e também com os movimentos organizados como o MST”, afirma Mauro.
Mauro lembra que não é a primeira vez na história que o movimento se vê obrigado a enfrentar-se a projetos políticos que visavam a criminalização de suas práticas.
“Nós nascemos no período da ditadura militar. Tivemos que sobreviver a todo um conjunto de operações de repressão. Pós-ditadura, nós enfrentamos o governo Collor, que tentou nos isolar, nos criminalizar, e nós sobrevivemos. Passamos pelos governos Fernando Henrique Cardoso que tentou primeiro cooptar, quando viu que não conseguia, tentou dividir o MST. Ou seja, cada tempo histórico exigiu do nosso movimento forças para além do que os governos diziam e nós fizemos o enfrentamento", conclui o militante.
Atualmente, mais de dois milhões de agricultores de todo o país estão organizados no MST. De costas a eles, as sinalizações de Bolsonaro e sua equipe buscam atender a interesses específicos de uma elite econômica. Às vésperas do segundo turno, empresários da Aprosoja – Associação de Produtores de Milho e Soja – se reuniram com o candidato a vice na chapa de Bolsonaro, o General Hamilton Mourão, e lhe entregaram uma pauta de reivindicações, entre as quais, a garantia de posse de armas nas propriedades e a liberação de licenciamento ambiental “de forma digital automática e online”. “Nós temos um compromisso muito claro com o agronegócio”, disse Mourão durante o encontro.
MTST: trabalhadores pelo direito a um lar
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto surgiu no fim da década de 90 com o intuito de ajudar a organizar as famílias que lutam pelo direito à moradia. Atualmente, está presente em cerca de 12 estados do país, colecionando conquistas importantes.
“A gente já conseguiu tirar várias famílias da situação de miséria e indignidade. Nós temos, por exemplo, o empreendimento João Cândido, que fica em Taboão da Serra [São Paulo] que vai abrigar mais de 900 famílias, está sendo feito por etapas, hoje são quase 400 famílias que já estão morando no empreendimento e um outro empreendimento em Santo André, que são quase mil famílias, que também saíram de condição precária, alguns inclusive moradores de rua, para viver em apartamentos que foram construídos e conquistados a partir da luta”, explica Szermeta.
Segundo Scalabrin, Bolsonaro pretende acabar com o estatuto das cidades, e seus ataques ao MTST fere os interesses de mais de 30 milhões de brasileiros que vivem em ocupações de moradia. "Atualmente, aproximadamente 20% da população brasileira vivem em ocupações urbanas nas grandes, médias e pequenas cidades do Brasil. É para esse contingente de aproximadamente 30 milhões de brasileiros que o Bolsonaro está se dirigindo”, finaliza.
Texto atualizado em 07/10/2020.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira