Rio de Janeiro

Democracia

“Ainda dá tempo de dizer não ao fascismo”, diz Letícia Sabatella

A atriz alerta que os brasileiros se posicionem através do voto para que o país não retorne a um governo autoritário

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
A atriz Letícia Sabatella é reconhecida como militante dos direitos humanos e da democracia
A atriz Letícia Sabatella é reconhecida como militante dos direitos humanos e da democracia - Comunicação MST

Reconhecida como militante dos direitos humanos e da democracia, a atriz Letícia Sabatella acredita que a cultura brasileira é um dos mais importantes instrumentos de resistência ao fascismo. Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, a poucos dias do segundo turno das eleições, a atriz alerta que ainda há tempo para sensibilizar as pessoas e mudar a onda de ódio e violência espalhada pelo país. “Temos uma voz ignorante, gananciosa, estúpida, violenta e inescrupulosa tomando o poder. Isso é muito perigoso para todos nós”, destaca.

Brasil de Fato: Qual é o papel dos artistas na luta contra o fascismo?

Letícia Sabatella: Eu fiz uma pesquisa muito profunda com o palhaço sagrado das tribos Khraô, ele é essa figura do artista e tem uma função tão importante quanto a do cacique ou do pajé na tribo, que é de manter a integridade do grupo através do jogo e do lúdico, que são ferramentas em que você pode expressar a arte e a criatividade.Todas as sociedades sempre tiveram o bobo da corte, o palhaço, alguém que quebrava com o autoritarismo. Às vezes, em uma posição de comando, de chefia, de diretoria, de presidência, qualquer ser humano pode se tornar autárquico e autoritário. Existe uma energia de comandar que é importante, mas tem que ser complementada pela sensibilidade. Quando você se sente uma máquina de guerra, poder e lucro, você perde contato com essa porção mais humana, que é da sensibilidade. A arte é o caminho da sensibilidade. Ela tem que existir na sociedade para que a gente fique em equilíbrio. Com a sensibilidade a gente não transforma a sociedade em algo adoecido, violento, agressivo. Com a sensibilidade se tem o respeito às diferenças, a sensibilidade faz sentir o que o outro sente. A arte é necessária para a alquimia e para o equilíbrio. O fascismo é doença da ausência da sensibilidade sobre o outro, do respeito. É o poder mais ignorante. O fascismo é a estupidez tomando poder. É o lado mais agressivo. Então, na luta contra o fascismo é fundamental a arte.

Na prática, o que os brasileiros têm a perder com a eleição de Jair Bolsonaro?

De novo vou usar a tribo como exemplo, porque é uma sociedade modelar e que está muito ameaçada se o fascismo vence, porque são pessoas que não reconhecem o valor dos nossos povos indígenas. Eles são como os primeiros portugueses que chegaram dizimando as aldeias, as tribos, as culturas que existiam aqui. A gente tem algo muito forte a aprender com os indígenas. Uma das coisas que observei nas assembleias e discussões na tribo Khraô é que todos têm o direito de falar, da pessoa mais ignorante até aquele que está mais por dentro e é mais sábio. Mas falam primeiro os mais ingênuos e por último os mais sábios. Nesse momento, a gente está correndo o risco de colocar a última palavra na voz do mais ignorante. Daquele que menos sensibilidade tem para as nossas diferenças, para os mais velhos, para os índios, para as crianças, para os homossexuais, para os quilombolas, para o que temos de diverso. Temos uma voz ignorante, gananciosa, estúpida, violenta, agressiva, imediatista, inescrupulosa tomando o poder. Isso é muito perigoso para todos nós.

O que considera mais perigoso?

Ele [Bolsonaro] engambela, tem horas que ele é transparente e tem horas que nega o que está visível. Então, a gente vê que as pessoas de algum modo entraram na febre de um bode expiatório para não dar conta das suas próprias sombras. A projeção da sombra ficou só em um partido político, que tem muitos problemas sim, eu mesma sou oposição ao PT [Partido dos Trabalhadores] há muitos anos. Mas as pessoas estão entrando nessa sombra como foi no caso do nazismo e do fascismo. Por que as pessoas aderiram a esses regimes? Porque as pessoas têm dentro de si as suas sombras, todos nós temos preconceitos, medos, preguiça, inveja, covardia. Mas temos que reconhecer isso dentro da gente e não achar que só o outro tem. As pessoas estão jogando pedra no outro. Joga pedra na Geni, na Maria Madalena, ai vem Jesus dizer: “Quem não tiver pecados que atire a primeira pedra”. Todos nós temos pecados e a gente não pode pegar só um partido e destruir tudo para começar um ditador, um autoritário a exercer todo o preconceito, mentira, violência. Aí, as pessoas exercem esse mal acobertadas por uma autoridade que no final pode se virar contra elas mesmas. Você também vai ser alvo no momento que for oportuno para esse ditador.

Ainda dá tempo de dizer não a isso tudo que você descreveu?

Sim, somos nós com a nossa urna e a nossa consciência. Precisamos olhar e não andar com as pernas da massa ensandecida. Precisamos retomar a consciência humana e sensível. Pensando em si como no próximo. No momento, a gente tem um bom gosto muito grande na escolha do Haddad e da Manuela. Eu votaria em uma esquerda mais à esquerda, mas vejo que Haddad fez sempre um caminho muito conciliatório. A Manu tem a bandeira do feminismo, das mulheres, das crianças. Haddad tem uma esposa, a Ana Estela, que é atuante, que gerou junto com ele o Prouni. Pessoas honestas, claras, transparentes, que falam em uma linguagem civilizatória, então a gente tem o melhor dos quadros no momento. Não são extremistas, estão fazendo um jogo com equilíbrio, que é necessário para a mente das pessoas. Espero que as pessoas acordem e vejam, a sensibilidade tem que voltar à tona. É muito comum o autoritário puxar a adesão do grupo e temos que tomar muito cuidado com isso. Não tem lógica a gente ceder a um poder autoritário, violento, agressivo. A gente tem a História para nos mostrar isso. Não precisamos passar por isso de novo.

Edição: Eduardo Miranda