Pasmo, perguntei a mim mesmo: pra que escrevi isso tudo? Ninguém leu.
Passar em frente a um prédio perto da Estação da Luz, em São Paulo, mexeu com a minha memória.
É um prédio com uns vinte andares, desocupado, com jeitão de décadas de abandono.
Teve um período em que foi ocupado por sem-tetos. Um dos ocupantes era um carroceiro que começou a juntar e ler livros jogados fora e catados por ele.
Acabou criando ali uma biblioteca de milhares de volumes, acessível a todos os moradores do prédio e da vizinhança. Pena que esses moradores e a biblioteca acabaram despejados.
Mas minha memória é de muito tempo antes.
Naquele prédio funcionava a Secretaria Municipal de Transportes, onde eu trabalhava como técnico em contabilidade, uma das profissões que tive.
Minha função era analisar a contabilidade de empresas de ônibus, fazer um relatório detalhado e arquivar nas pastas das respectivas empresas, para que – se fosse o caso – a prefeitura aprovasse a conta das empresas ou lhe multasse. Ou tomasse atitudes mais drásticas por motivo de sonegação de impostos, por exemplo.
Éramos mais de dez técnicos para analisar a contabilidade das 75 empresas de ônibus urbanos que existiam na cidade, fora a CMTC – Companhia Municipal de Transportes Coletivos.
Uma das empresas que ficaram sob a minha responsabilidade foi a Viação São Benedito Ltda., que nem sei se ainda existe.
Depois de três anos e pouco de emprego, pedi demissão. No penúltimo dia de trabalho, fui à Viação São Benedito. Não havia nenhum problema na contabilidade, mas tive que fazer o relatório extenso assim mesmo, no dia seguinte.
Datilografei e, quando ia entregar para a secretária arquivar, vi que tinha escrito no lugar destinado ao nome da empresa “Viação São Benedito da Silva”. Troquei o “Ltda.” pelo “da Silva”. Meu nome inteiro é Mouzar Benedito da Silva. Daí o ato falho.
Corrigi meu erro, rindo, e fui eu mesmo colocar o relatório na pasta da empresa. Aí vi que todos os relatórios dos meus três anos e pouco de trabalho naquela Secretaria tinham como nome da empresa “Viação São Benedito da Silva”. Pasmo, perguntei a mim mesmo: pra que escrevi isso tudo? Ninguém leu. Nem sequer abriram a pasta, pois teriam visto o “da Silva”.
Pra não dizer que foi um trabalho inútil, serviu pra eu escrever esta crônica, não é?
Obrigado, burocracia.
Edição: Daniela Stefano