A polarização entre as candidaturas presidenciais de Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), que aparecem, respectivamente, em primeiro e segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, revela uma acirrada disputa pelo futuro do Brasil.
Com as eleições desse domingo (7), aumenta-se o tensionamento entre projetos opostos para o ciclo de 2019 a 2022. Segundo Maria Aparecida de Aquino, professora do departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), o pleito atual é muito diferente das eleições que ocorreram no Brasil desde sua redemocratização.
Ela explica que mesmo em contextos de divisão social anteriores a 1985, como no momento que antecedeu o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, não havia uma polarização tão claramente colocada.
“A única vez que podemos dizer que houve um acirramento e uma disputa entre dois campos muito distintos foi nas eleições de 1989, mas mesmo assim, não chega aos pés do que estamos observando agora. É como se a sociedade estivesse rachada. Esse momento é absolutamente suis generis na história da República brasileira”, avalia a historiadora.
Risco à democracia
Reconhecido por seus posicionamentos conservadores e preconceituosos, Bolsonaro tem sido alvo de manifestações impulsionadas por mulheres em todo o país. Aquino relembra que seu vice, General Hamilton Mourão (PRTB), também tem feito declarações de viés conservador e autoritário.
Além de criticar o 13º salário recentemente, em setembro, Mourão admitiu a possibilidade de haver um "autogolpe" por parte do presidente com apoio das Forças Armadas.
“A nossa democracia encontra-se ameaçada. Mais ameaça do que isso e mais perigo para a democracia, não consigo enxergar. O Brasil tem um momento muito difícil pela frente”, alerta Aquino sobre a declaração de Mourão.
“Se existe a possibilidade desse senhor [Bolsonaro] assumir o Palácio do Planalto, a sociedade brasileira corre um risco muito grande e a democracia também. Todas as observações que esse senhor e seus asseclas tem feito, vão na direção de romper a democracia”, ressalta.
Na opinião da historiadora, caso eleito, Bolsonaro aprofundará a retirada dos direitos sociais que aconteceram nos últimos 3 anos por meio das reformas propostas pelo governo Temer.
País em crise
De acordo com Leidiano Farias, historiador integrante da Frente Brasil Popular, uma outra singularidade desse processo eleitoral é que ele acontece em meio a uma profunda crise econômica e política. Ele faz a análise de que existe um grande descontentamento com o sistema político no geral, o que fez com que o tempo de propaganda eleitoral na TV ou a máquina partidária não tivesse tanto peso como em eleições anteriores.
“O eleitorado olha para as candidaturas que eles enxergam como antissistêmicas. E as principais candidaturas antissistêmicas nesse momento são as candidaturas de Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. A de Bolsonaro é antissistêmica pela direita, é um antissistêmico sobre o viés de uma corrente de opinião fascista. A de Fernando Haddad tem um caráter antissistêmico pela esquerda. São as principais candidaturas que polarizam nesse momento”, explica Farias.
A crise econômica e política se reflete nas mazelas sociais que assolam o país. Conforme informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em setembro, o desemprego atingia 12,7 milhões de pessoas.
Os números que mostram a volta do Brasil à extrema pobreza também impressionam. Cerca de 12 milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza extrema, ou seja, possuem renda per capita de menor que R$ 70 reais por mês, segundo levantamento da organização ActionAid Brasil.
Farias acredita que este pleito eleitoral é central para a história do país. “O que está em jogo nas eleições do próximo domingo e possivelmente no segundo turno é a restauração da democracia e da soberania nacional ou a legitimação do golpe nas urnas. A eleição ocorre em um momento em que o país está sob um golpe de Estado. A vitória de uma candidatura como a de Jair Bolsonaro vai legitimar esse golpe. Vai legitimar as reformas neoliberais, como por exemplo, a reforma trabalhista, que representa um retrocesso do ponto de vista das conquistas históricas dos trabalhadores”, critica.
Ele acrescenta que a vitória desse projeto conservador também não faria derrubaria a Emenda Constitucional 95, que congela gastos em saúde e educação por 20 anos e é considerada um retrocesso por especialistas e movimentos sociais.
Para o historiador, figuras como a de Bolsonaro, militar reformado, e do General Mourão na presidência, consolidaria um processo de tutela dos militares sobre a democracia brasileira.
Luta de classes
De acordo com pesquisa Datafolha divulgada na última quinta-feira (4), Jair Bolsonaro possui 35% das intenções de voto, enquanto Haddad possui 22%. As estatísticas também mostram grande diferenças entre o perfil dos eleitores de cada candidato.
Entre o eleitorado que ganha mais de 10 salários mínimos, 53% votaria em Bolsonaro, ao passo que, entre o eleitorado que ganha até dois salários mínimos, 28% votaria em Haddad.
Na avaliação de Leidiano, os dados evidenciam que a polarização entre as candidaturas representam também uma separação entre classes sociais.
“Dentre as últimas eleições que ocorreram pós-redemocratização, essas eleições são as que mais expressam os interesses de classe. Não é por acaso que o principal líder popular, nesse momento, está encarcerado em Curitiba. Me refiro ao presidente Lula. A elite, a classe dominante brasileira, retirou um representante orgânico da classe trabalhadora do processo eleitoral. Isso se chama luta de classes”, enfatiza Farias.
“Evidentemente que as eleições de 1989 foram eleições muito importantes, porque foram as primeiras após mais de duas décadas de ditadura, mas podemos afirmar que essas eleições tem um caráter central para a soberania popular e para a restauração da democracia”, continua o historiador.
Saídas
Apesar do cenário sombrio, a historiadora Maria Aparecido de Aquino aposta que o conservadorismo não será vitorioso nestas eleições.
“Nós teremos momentos muito difíceis porque a crise se aprofundou brutalmente nos últimos 3 anos. Ninguém terá facilidade no governo. Creio também que as forças progressistas vão se unir e isso dará condições de governabilidade para que possamos sair da crise violenta que nos encontramos”, afirma.
Leidiano Farias reforça a importância do pleito eleitoral deste domingo e defende que apenas uma vitória das forças democráticas e populares poderão alterar a correlação de forças políticas que tenham como objetivo restaurar a democracia e defender setores estratégicos para o país, como a Petrobras e a Eletrobras, centrais para a soberania nacional.
“Existe um desgaste profundo com o sistema político, uma descrença com a política e isso só se resolve com participação popular. O primeiro passo é a vitória das forças democráticas, patrióticas e populares nessa eleição. Feito isso, nós temos que criar condições para um grande movimento de massas de restauração da democracia”, finaliza Farias.
Edição: Diego Sartorato