Ameaça

Deputados de Rondônia tentam suspender 500 mil hectares de reservas ambientais

Iniciativa é "laboratório" para a expansão da fronteira agrícola no Norte do país, apontam movimentos

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Áreas estaduais de proteção florestal estão na mira da bancada ruralista
Áreas estaduais de proteção florestal estão na mira da bancada ruralista - Rosinaldo Machado/Sedam

Unidades de conservação e terras indígenas há anos estão na mira de parlamentares da bancada ruralista. Desta vez, deputados estaduais de Rondônia pedem a suspensão de decretos que criaram 11 áreas estaduais de proteção florestal -- juntas, as áreas somam mais de 500 mil hectares.

O arrastão antiecológico foi idealizado no último dia 25 de setembro, quando o governo do estado enviou um projeto de lei à Assembleia Legislativa propondo o fim de uma unidade de conservação (Estação Ecológica Soldado da Borracha). Trata-se justamente da unidade de conservação com maior área, 178.948 hectares, situada entre os municípios de Porto Velho e Cujubim.

Foi então que os deputados entraram em ação e apresentaram uma emenda coletiva propondo o cancelamento de todas as unidades. Em nota oficial, o governo estadual afirmou que “aguarda parecer da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental e da Procuradoria Geral do Estado para então decidir se sanciona ou veta a proposta”. 

Conforme apuração da reportagem, tanto o Executivo, por meio de decreto, quanto a Assembleia Legislativa, através de projeto de lei, podem criar unidades de conservação, mas para extinguir e/ou diminuir uma área, segundo o artigo 22 da Lei 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, há necessidade de estudos técnicos e realização de consulta pública.

Contudo, de acordo com Ivaneide Bandeira, coordenadora geral da Associação de Defesa Etnoambietal – Kanindé, durante a votação na Assembleia nenhum estudo foi apresentado.

“O que ocorre é que a lei é muito clara: para você revogar uma unidade você tem que ter estudos técnicos que garantam que aquela unidade tem vocação para ser unidade de conservação, que ela não tem biodiversidade, uma série de critérios que tem que ser feito por estudos técnicos, e a assembleia não fez isso”.

Risco dominó

Uma das justificativas apresentadas pelos parlamentares para o cancelamento das reservas ambientais é o “clamor do setor produtivo”. O avanço da fronteira agrícola tem colocado Rondônia entre os estados com mais altos índices de desmatamento. De acordo com o dossiê elaborador pela Kanindé, apenas em 2016, o estado perdeu 164 km² de floresta em áreas de proteção, conforme o último dado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

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Danicley Aguiar, especialista em Amazônia do Greenpeace Brasil, avalia que as populações tradicionais e povos indígenas não recebem apoio para assegurar a integridade de seus territórios e assim garantir seus modos de vida.

“Na realidade, essas populações têm sido extremamente pressionadas por políticos, por madeireiros, por outros agentes econômicos, que tentam liberar os acessos aos recursos naturais desses territórios e convencer essas populações a aceitarem a redução desses territórios”.

Ele ainda avalia que o caso de Rondônia é um laboratório para outros estados da região proporem revisões das unidades de conservação e terras indígenas na Amazônia, um risco que deve ser alertado à sociedade.

“O que está sendo testado em Rondônia pelas forças políticas, que eu considero as mais atrasadas do agronegócio do estado brasileiro, isso fatalmente deverá ser aplicado aos demais estados da região e aí deverá alimentar esse contexto de terras e demanda por novas terras para a produção agropecuária, que condena a Amazônia a destruição pelo desatamento de suas florestas”.

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A ameaça também segue pelo governo federal. Tramita na Câmara dos Deputado em Brasília o Projeto de Lei 3.751/2015, que prevê a extinção automática de unidades de conservação caso o governo não indenize, em cinco anos, propriedades privadas sobrepostas a essas áreas.

Em 2016, foram propostas as Medidas Provisórias 758 e 756, que alteram os limites de quatro Unidades de Conservação (UCs) localizadas no sudeste do Pará. A alteração tinha o objetivo de dar passagem à Estrada de Ferro 170, também chamada de Ferrogrão, corredor de escoamento da produção de grãos do Brasil pelo Arco Norte, ligando o município de Sinop, no Mato Grosso, ao porto de Miritituba, em Itaituba, no Pará.

Entenda

Os decretos criavam dois parques estaduais, duas estações ecológicas, uma área de proteção ambiental, uma floresta estadual, uma reserva de fauna e quatro reservas do desenvolvimento sustentável. Ao todo Rondônia possui 62 áreas de unidades de conservação estadual, municipal e federal.

Desde março, os parlamentares tentavam suspender os decretos criados pelo governador do estado, Confúcio Moura (MDB), publicados no dia 20 no Diário Oficial. A primeira tentativa foi quando da saída do governador para concorrer às eleições, cassando os decretos no dia 27 de março. Por meio de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a Justiça cassou os decretos legislativos que suspendiam a criação das unidades de conservação.

Segundo a ação, os parlamentares agiram para defender os “interesses particulares de ocupantes ilegais de terras públicas, que viam na criação e regulamentação de unidades de conservação uma ameaça aos seus planos privados de se manterem em áreas ilegalmente ocupadas, em detrimento do interesse coletivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

As unidades de conservação foram criadas por meio do programa Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), do governo federal, coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Foram investidos cerca de R$ 657 mil.

Edição: Diego Sartorato