Fiquei com uma certeza após o Ibope de segunda-feira (1º): os analistas estão errando feio por não conhecerem o que ocorre no subterrâneo de muitos grupos de WhatsApp que apoiam Bolsonaro.
Nas últimas semanas, fui incluída em três grupos e fiquei em todos com um objetivo: curiosidade sobre o que move as pessoas em favor dessa figura do mal.
O que presenciei nesses grupos foi um trabalho aparentemente orquestrado por profissionais de marketing digital.
Não posso afirmar se a responsabilidade é da cúpula da campanha do candidato, mas ele se beneficia diretamente da disseminação de notícias falsas.
Por mais esperta que seja, é difícil você não cair na armadilha da informação, gerada, por exemplo, pela edição de vídeos.
A tática é simples e deplorável: vale tudo para ganhar a presidência; e os vídeos pelo "zap" têm sido cruciais, pois chegam até as pessoas enviados por seus amigos.
Creio que a TV terá influência zero nessa campanha.
São grupos grandes (muitos já completos) com objetivo claro de disseminar montagens que parecem ser verdade. Pelo que consta da última pesquisa IBOPE, esse expediente deu certo contra as mulheres que foram as ruas nesse final de semana.
Produziram uma quantidade de vídeos editados, mostrando mulheres com seios de fora no meio da multidão, como se estivessem no evento de sábado.
Esse material é acompanhado de palavras de baixo calão contra as participantes.
Escrevem: “Atenção mulheres! Vocês se sentem representadas por essas vadias?”
São palavras de um dos administradores do grupo que pedia aos membros que repassassem o vídeo e a pergunta.
Num dos vídeos, o evento de sábado foi ligado a um outro acontecimento, ocorrido há muito tempo, em que mulheres radicais quebram imagens sacras na visita do papa Francisco ao Brasil.
É um fato deplorável, mas deslocado na cronologia. Quem vê pensa que aconteceu sábado, no evento do #Elenao.
Aos berros, um dos administradores pede para os membros mostrarem no grupo da família, para as tias, as mães, as avós...
Afirmam que a ideia é mostrar o que a "turma do PT e do Ciro" querem para o país.
Na sequência, a solução seria Bolsonaro com sua frase de impacto: "Deus acima de tudo".
Quando o filho de Bolsonaro chama as mulheres de esquerda de feias e outros termos depreciativos, ele muito bem sabe o que faz: coloca gasolina nesses grupos que movem a campanha de seu pai.
Penso que a subida de Bolsonaro não se deu, nem de longe, por conta dos ataques televisivos de outros candidatos a Haddad, como alguns analistas sugerem.
Creio que foi por conta do ataque orquestrado contra o evento de sábado das mulheres, realizado de forma velada nas redes sociais, sem deixar rastro, via WhatsApp.
A equipe de Bolsonaro não está restrita a uma bolha do algoritmo do Facebook ou do Instagram, como estão os defensores dos demais candidatos.
Eles sabem como furar a bolha e falar para os indecisos.
Os candidatos democratas são fracos nas redes sociais e falam para os “convertidos” em suas bolhas algorítmicas.
Não foi à toa que, mesmo após o evento de sábado, o candidato do mal cresceu exatamente entre as mulheres e os pobres.
Os candidatos progressistas precisam atuar fortemente nas redes sociais e falar fora de suas caixas. Precisam ter antídotos contra os vídeos montados e contra as calúnias que estão lançando contra as mulheres.
Em caso contrário, ele tomará o poder.
É preciso que as pessoas compreendam o que ocorre nos grupos bolsonaristas. É um discurso hitleriano (sem exageros) de sobreposição e superioridade sobre os demais grupos.
É um bombardeio de palavras e imagens de ódio. Se o indivíduo não tiver convicções morais ou base intelectual, passa a adotar desse discurso e considerá-lo a única verdade a ser seguida.
O sentimento que nutrem pelo candidato é quase messiânico, tendo em vista comentários como: "esse é o homem que vai nos salvar" ou "é um enviado de Deus contra os satanistas comunistas".
Em um dos grupos, formado em sua maioria por habitantes de uma pequena cidade do interior, posso dizer que o discurso é "carniceiro". Propagam coisas do tipo: "bandido tem que ser morto em praça pública".
Esse grupo tem a elite, inclusive com as "respeitáveis senhoras", que se arrogam as mais belas da cidade.
Seus comentários, no entanto, seguem este padrão: "as mulheres de esquerda não vão ao salão, as unhas são porcas, os peitos são caídos e são suvaquentas".
Nesta minha incursão digital, concluí que existe um grupo acima de tudo isso, especializado, sim, em fazer uma "lavagem cerebral" em quem já tem dificuldades para entender a realidade.
Depois dessa experiência, cheguei também à conclusão de que a extrema-direita tem um aparato, eu diria, de especialistas na construção de mito.
Alguém desta turma deve ter lido e relido "A Fabricação do Rei - A Construção da Imagem Pública de Luís XIV", de Peter Burke.
* Gilliam Attiq é educadora e uma das coordenadoras do grupo Mulheres Muçulmanas contra Bolsonaro
Edição: Diego Sartorato