Em 31 de outubro ocorrerá a vigésima sétima votação na Assembleia Geral da ONU, sobre o bloqueio econômico a Cuba, imposto pelos Estados Unidos, durante os últimos 56 anos. Há 26 anos a entidade se posiciona contra a medida, que só encontrou apoio na última votação, que ocorreu em 2017, de Israel, além do próprio Estados Unidos. Dos 193 países votantes, 191 se manifestaram pelo fim imediato do bloqueio, que ainda assim, foi mantido pelo governo americano a despeito da ampla desaprovação da comunidade internacional.
No último dia 10, o presidente Donald Trump renovou por mais um ano a “Lei de Comércio com o Inimigo”, um documento de 1917, que constitui os princípios da relação imperialista dos EUA em relação à ilha caribenha, demonstrando pouco interesse em mudar a situação. Foi através desse ato normativo, que o então presidente americano John Kennedy se utilizou para impor o bloqueio econômico, em 1962, quando o mundo polarizado vivia o auge da Guerra Fria. Trump vem sistematicamente endurecendo as sanções a Cuba, desfazendo rapidamente os avanços na relação entre os dois países, ocorridos no governo de Barack Obama.
Entre os retrocessos da gestão Trump se destaca a proibição a cidadãos e empresas norte-americanas de realizar transações ou negócios com entidades vinculadas ao estamento militar cubano, entre as quais figuram dezenas de hotéis e empresas cubanas. Muitos bancos, de várias nacionalidades, em todo mundo, encerraram as transações com empresas cubanas, no início de 2018, por causa da medida. Uma política de restrição ao turismo norte-americano em Cuba, também assinada por Trump gerou uma queda de 43% no número de visitantes estadunidenses à ilha, no primeiro trimestre de 2018.
O embargo americano causa todos os anos um prejuízo financeiro na casa dos bilhões de dólares e é considerado como o maior impedimento para o avanço social cubano, que mesmo sendo referência mundial em áreas como educação e saúde, sofre com a escassez de utensilio básicos em decorrência da dificuldade de desenvolver sua economia, diante da impossibilidade de manter relações comerciais e financeiras com o o país vizinho, que é a maior potência econômica do planeta.
Foi sobre a possível manutenção do bloqueio, do seu endurecimento que vem ocorrendo na atual gestão americana e sobre o atual momento político cubano, que inclui a discussão de um novo texto constitucional, que o embaixador Rolando Antonio Gómez Gonzales nos recebeu na embaixada cubana. Para uma breve conversa:
Guilherme Coutinho: Em breve, a ONU discutirá novamente o fim do embargo econômico a Cuba, imposto desde 1962 pelos Estados Unidos. Após 56 anos de política restritiva, como estão atualmente as relações entre os EUA e Cuba, em relação ao bloqueio?
Rolando Gómez: Primeiramente, o que podemos dizer é que há uma tentativa de se ocultar o endurecimento promovido pelo atual governo americano dessa política genocida contra o povo cubano. Existe um agravamento dos embargos em diversas áreas, como ter imposto ainda mais impedimentos, em novembro do ano passado, para que os norte-americanos façam turismo na Ilha de Cuba. O bloqueio provoca enorme prejuízo no desenvolvimento social do povo cubano e praticamente impede um crescimento econômico da área não estatal de Cuba.
Cuba é atualmente o único país no mundo que os Estados Unidos proíbem seus cidadãos de visitar. As exceções são concedidas apenas aos americanos que conseguem uma licença estatal, o que tem sido cada vez mais raro desde que Trump assumiu. Muitos avanços conseguidos na relação bilateral durante o governo de Obama, não apenas em relação ao turismo, mas também nas transações financeiras e comerciais, estão sendo rapidamente desfeitos pelo governo republicano. É isso que estamos denunciando aos países membros da ONU, para que haja uma conscientização internacional da situação calamitosa que vive Cuba diante de ações imperialistas e desumanas.
O bloqueio não prejudica apenas Cuba, mas também outros países que queiram ter relações comerciais conosco e até empresas americanas que desejam se instalar na ilha, além cidadãos americanos que são impedidos pelo governo de viajar a Cuba.
Recentemente, a imprensa cubana estimou o prejuízo financeiro do bloqueio em aproximadamente US$ 933,6 bilhões, ao longo dos 56 de duração. Foi considerado também o principal freio para o Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social do país. Existe um crime continuado contra os direitos humanos do povo cubano?
Sim, as medidas de austeridade são uma flagrante violação dos direitos humanos de todo um povo. É um ato genocida, e assim se define, no âmbito do direito internacional, por ser um Estado asfixiando uma população, intencionalmente, por meio da fome e da escassez de insumos básicos.
Não existe no mundo uma medida restritiva que dure tanto tempo ou que tenha causado tantos prejuízos a um povo. O embargo é visto por Cuba como o principal entrave para o desenvolvimento social do país e da Agenda 2030, sobre desenvolvimento sustentável, aprovada pela ONU em 2015.
Ainda sofrendo com essa política brutal e desumana, Cuba ainda consegue manter altos níveis em indicadores de desenvolvimento humano e destaque em áreas importantes como mortalidade infantil, que é uma das menores do mundo, mortalidade materna, além de educação e saúde, que são vistos como referência no mundo todo, inclusive por países com dimensões maiores e com produção de petróleo e outros minerais. Mas sem dúvidas, o embargo atenta permanentemente contra os Direitos Humanos.
No ano passado, na votação da ONU, 191 dos 193 países votaram pelo fim do embargo. Apenas Estados Unidos e Israel se manifestaram pela manutenção. O que permite aos EUA insistir nessa política com uma reprovação global tão esmagadora?
Os Estados Unidos estão ficando isolados em relação à comunidade internacional em relação a esse assunto. A despeito de sua importância na geopolítica, nem mesmo aliados fiéis têm endossado a medida genocida.
Infelizmente os americanos parecem não se importar em agir de forma unilateral e imperativa, ignorando por completo os demais países. Esse ano Washington está fazendo campanha junto a aliados para tentar obter uma reprovação menor na votação da resolução, motivação pela qual, Cuba também tem procurado conversar com os países para demostrar seu descontentamento com essa situação desumana.
Cuba está passando por um importante momento histórico com a discussão comunitária do novo texto constitucional e com um presidente que tomou posse recentemente, Miguel Díaz-Canel. Cuba conta com a redução das austeridades face a esse novo momento?
Cuba deseja, porque nosso povo necessita. O povo cubano é vítima da situação e é claro que quer o seu encerramento. A população não pode ser penalizada por seus ideais de sociedade, de igualdade e de solidariedade. Nossa constituição que está sendo debatida é o texto que nosso povo quer e totalmente compatível com o modelo de vida cubana, baseado, sobretudo na isonomia. Então o que podemos dizer é que o povo cubano deseja e precisa do fim dos embargos americanos.
Edição: Brasil 247