A Universidade de Brasília (UnB) promoveu, nesta sexta-feira (28), o debate “Bens Naturais, Soberania e Sociedade”. O evento, que contou com acadêmicos e militantes de organizações populares, abordou o cenário econômico brasileiro à luz das mudanças impostas pelo governo federal a partir do golpe de 2016.
Geólogo e ex-diretor da Petrobras, Guilherme Estrella destacou que a descoberta do pré-sal inaugurou uma chance única de conquista efetiva da soberania, cujas condições, segundo ele, são riquezas naturais, atividade produtiva e capacidade de inovação. O pré-sal, além da autossuficiência petrolífera, poderia ter servido como indutor destes elementos.
“A soberania das nações está ligada ao desenvolvimento industrial. Principalmente a indústria que estabelece condições para problemas novos serem enfrentados e resolvidos. Tínhamos todas as condições de ter um país efetivamente soberano. Esse processo foi interrompido por interesses não brasileiros”, afirmou.
As mudanças trazidas pelo governo Michel Temer (MDB), como o fim da obrigatoriedade da Petrobras ter um participação mínima em toda exploração dos campos do pré-sal, teriam minado essas possibilidades. Para Estrella, a questão energética, em escala geopolítica internacional, pode ter sido um dos elementos que levaram à deposição de Dilma Rousseff (PT).
“Este projeto que este governo ilegítimo implantou no país é um modelo absolutamente dependente, exportador de matérias primas e sem indústria. Um país ocupado por forças estrangeiras, ainda que não militares, mas ideológica e politicamente comprometidos com interesses não brasileiros. Nós temos que discutir bastante com a sociedade para nos prepararmos para um confronto de projetos”, afirmou.
Luiz Fernando Scheibe, professor da Universidade Federal de Santa Catarina, além de debater a questão do petróleo, trouxe a questão da privatização da água para a discussão, lembrando o encontro de Temer com executivos da Nestlé e da Coca-Cola, empresas responsáveis por metade do comércio de água engarrafada no Brasil, em que se aventou a privatização do Aquífero Guarani.
“A Constituição atual do Brasil não permite que a água seja cedida, exceto através do sistema de outorga, que é temporário. Para a água mineral, engarrafada, se concede no máximo 50 hectares. Mas o que pode acontecer? Agora não está tão fácil, mas até alguns meses trás, o governo mudava a Constituição na hora que ele queria”, ponderou.
Um Projeto de Lei que permite a venda de outorgas em períodos de escassez -- o chamado “mercado da água” -- foi lembrado por Scheibe como exemplo da possibilidade de privatização gradual das reservas hídricas do país.
Representando a Plataforma Operária e Camponesa para a Energia e Água, Fabíola Antenaza ressaltou que os processos privatizantes em curso não se encerram nessa categorização.
“Não é apenas a privatização, é um momento de desnacionalização. Tudo que está sendo feito, de 2016 para cá, com o advento do golpe, é um processo rápido e célere de entrega do patrimônio brasileiro [a estrangeiros]”, apontou.
Do ponto de vista do ambientalismo popular, Marcelo Firpo, da Fundação Oswaldo Cruz, apresentou preocupações calcadas na ecologia política, questionando que sentido de crescimento econômico deve ser posto em prática no país, afirmando que a soberania, por si só, não garante justiça social e ambiental.
“Como não interditar -- e essa é a pergunta fundamental, em meio a um regime de golpe, com constrangimentos de mercado e da mídia -- o debate e apoiar os movimentos sociais? Vamos resolver a miséria e não discutir a perspectiva de futuro, como vamos proteger nossos ecossistemas?”, provocou.
Charles do Trocate, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), sintetizou o debate da soberania internacional do ponto de vista da política internacional, ressaltando que a mineração sem controle social e planejamento com retornos para o povo brasileiro, como atividade extrativista primária nas mãos do capital, significa apenas o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”.
“Há um vínculo orgânico entre as economias industriais e as economias extrativistas. É uma dialética. Se nós temos um pólo do mundo que é industrial, é porque há um outro pólo que não pode ser, na lógica do capital, industrializado”, disse.
O MAM, na ocasião do evento, realizou o lançamento do Dicionário Crítico da Mineração, obra cujos verbetes vão desde expressões populares utilizadas por garimpeiros até conceitos de economia e política vinculados à atividade.
Edição: Diego Sartorato