Entre os 13 programas de governo das candidaturas que almejam chegar ao Palácio do Planalto, apenas cinco citam a superlotação das penitenciárias e apresentam medidas para diminuir o número de presos no país: Fernando Haddad (PT), Marina Silva (Rede), João Goulart Filho (PPL), Guilherme Boulos (PSOL) e Vera Lúcia (PSTU).
O Brasil tem uma das maiores populações carcerárias no mundo. Em 2016, segundo o Infopen, o país tinha 726 mil encarcerados. Em 2005, eram 361 mil. Ou seja, o número quase dobrou em uma década. Apenas EUA e China têm cifras superiores.
Uma estimativa do Monitor da Violência indica que as prisões estão 705% acima de sua capacidade. Apesar desse cenário, quatro programas de governo – Alckmin (PSDB), Bolsonaro (PSL), João Amoedo (Novo) e Alvaro Dias (Pode) – sequer mencionam o assunto como prioridade para o próximo mandato presidencial.
Gabriel Santos Elias, assessor do Núcleo de Atuação Política do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), lamenta que o tema não seja mais bem debatido no momento eleitoral. Ele lembra que o sistema penitenciário tem alto custo orçamentário, reúne casos de violação de direitos humanos e tem pouca efetividade em alcançar o objetivo de ressocialização.
“Uma contradição dessa eleição é a importância que se dá a alguns temas e a invisibilidade que se dá a outros. O problema do encarceramento em massa deveria estar sendo tratado como a reforma da Previdência. Todo ano a gente vê rebeliões e fortalecimento de organizações criminosas com a nacionalização desse processo”, analisa.
Elias reforça que um a cada três presos no Brasil são condenados ou processados por delitos ligados ao tráfico de drogas, especialmente pela suposta venda no varejo de entorpecentes, crime que por si só tem pouco impacto. Por outro lado, ressalta que crimes violentos seguem, em sua maioria, impunes.
"No Brasil, há um número alto de crimes cometidos sem violência, sem antecedentes criminais, de baixo potencial ofensivo, o crime de drogas é o maior exemplo. Algumas iniciativas podem ser feitas ser discutir a política de drogas, mas serão muito limitadas. Vários estudos mostram que isso não funciona. A melhor forma é prevenção. Os crimes violentos, especialmente o homicídio, recebem pouca atenção. As principais vítimas são jovens, negros, pobres e moradores das periferias. É preciso uma política séria de enfrentamento a homicídios, e isso não é incompatível com uma política de desencarceramento”, afirma.
Dados do Instituto Sou da Paz corroboram esta análise. O levantamento “Onde Mora a Impunidade?” aponta que 80% dos homicídios praticados no país não são solucionados. Rafael Custódio, coordenador do Programa sobre Violência Institucional da Conectas, também vê na alteração da política e da lei de drogas um caminho para se solucionar a situação carcerária brasileira. Além disso, defende medidas para diminuir a entrada de novos encarcerados.
“Em primeiro lugar, é preciso haver uma revisão da política de drogas atual. O governo poderia, por exemplo, através da Anvisa, tirar a maconha de sua lista de drogas ilícitas. Isso faria com que, na prática, o uso fosse descriminalizado. Isso certamente diminuiria o número de presos por conta do pequeno tráfico. Seria importante que fosse estabelecido um limite de superlotação para cada unidade prisional. Essa ideia já existe no Paraná. Lá, só é possível prender uma pessoa se o juiz acha vaga. Ou seja, expandir para todo o Brasil. Eu focaria também na implementação efetiva das audiências de custódia”, diz.
A ideia das audiências de custódia é que, no prazo de 24 horas, o caso de um preso em flagrante seja avaliado por um juiz, que determinará a necessidade ou não de manutenção de prisão. Cerca de 34% dos presos no país ainda aguardam julgamento, e poderiam se beneficiar de medidas como essa ou de mutirões carcerários. Outra alternativa citada por Custódio é a revisão da possibilidade da execução da pena após condenação em segunda instância.
Custódio e Elias afirmam que as propostas de punições maiores, ou para dificultar a execução da pena, têm se mostrado sem efetividade para a melhora da segurança pública. Em alguns aspectos, podem levar até ao agravamento da situação.
“Nós vimos essa promessa nos anos 90 com Lei de Crimes Hediondos, e não se reduziram os crimes. Depois criamos o Regime Disciplinar Diferenciado, para lidar com as maiores lideranças de facções, elas continuam fortalecidas. Aumentar penas ou dificultar a execução não representa nenhum tipo de impacto na segurança pública, pelo contrário. É um grande falácia”, analisa Custódio.
Confira abaixo o que dizem os programas de governo sobre a questão penitenciária. Os documentos foram consultados no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Não mencionam a superlotação e/ou propõem endurecimento penal
Jair Bolsonaro (PSL)
Defende propostas que podem levar ao aumento da população carcerária sob o mote “prender e deixar preso”, como “acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias” e “reduzir a maioridade penal para 16 anos”.
Alvaro Dias (Podemos)
Não faz qualquer citação ao tema.
João Amoedo (Novo)
Defende a “reforma da Lei Penal com maior rigor, redução da possibilidade de progressão e revisão dos indultos e saídas temporárias”. Além disso, defende, em contraposição ao texto literal da Constituição a “prisão de condenados em segunda instância”. Na infra-estrutura, se posiciona a favor da “construção, manutenção e gestão de presídios em parceria com o setor privado”.
Geraldo Alckmin (PSDB)
Propõe o endurecimento da execução penal para alguns crimes.
Mencionam o tema, mas não apresentam propostas diretas de diminuição da população carcerária
Henrique Meirelles (MDB)
Cita a superlotação, apontando como solução a construção de mais presídios para se separar encarcerados pelo potencial de lesividade dos delitos cometidos.
Cabo Daciolo (Patriota)
Propõe mudança nos critérios de distribuição dos detentos, afastando a possibilidade de novos presos se tornarem “conhecedores de práticas mais delituosas do que as cometidas outrora”. Além disso, afirma que irá “focar no combate ao tráfico de entorpecentes, pelo fato que, drogas e armamentos são a base de
sustentação do crime organizado no Brasil e a dependência química é o pano e fundo na motivação de infratores a cometerem delitos”.
Defendem propostas de desencarceramento
Fernando Haddad (PT)
Defende foco no combate a crimes violentos, em especial homicídio, e políticas de trabalho e renda como condicionantes para combater a situação de violência. Apresenta como medida a proposição e fortalecimento de penas alternativas à restrição de liberdade para crimes sem violência, apontando também para uma “gestão penitenciária capaz de promover reintegração social e não mais a retroalimentação de mão de obra das organizações criminosas”.
Afirma que a atual política de drogas leva à prisão de” mais pessoas não violentas, não organizadas e desarmadas, envolvidas no varejo disperso do comércio de substâncias ilícitas, do que homicidas, traficantes de armas e lideranças do crime organizado que já se transnacionalizou”, se posicionando “para combater o que de fato é prioritário, o poder local armado despótico exercido sobre territórios e comunidades vulneráveis”.
Marina Silva (Rede)
Afirma que a criminalidade deve ser entendida antes como tema de “segurança social”, exigindo medidas de prevenção como a geração de oportunidades e de emprego. Cita a necessidade de melhora na gestão dos presídios. Defende a criação de uma “Política Nacional de Medidas e Penas Alternativas”, através de “subsídios técnicos para a constituição de centrais nos estados para o monitoramento e fiscalização de sua aplicação, e incentivaremos medidas que visem a redução do número de presos provisórios, a exemplo dos mutirões carcerários”.
Também defende a criação de “um Programa de Apoio aos Egressos do Sistema Prisional, que promova a reinserção social e econômica por meio de um pacto com empresários”.
Vera Lucia (PSTU)
Relaciona de forma direta a questão das drogas e do encarceramento, defendendo “a descriminalização das drogas para pôr fim ao tráfico e à desculpa para se matar e encarcerar jovens negros”. O modelo posto pelo programa aponta para o “controle da produção e distribuição deve estar nas mãos do Estado, e o vício e a dependência devem ser tratados como casos de saúde pública”.
Guilherme Boulos (PSOL)
A favor de penas alternativas. Em relação à política de drogas, pretende “acabar com a guerra às drogas e fazer justiça de transição permitindo o uso medicinal de certas drogas, mas considerando também o direito individual ao uso recreativo”.
João Goulart Filho (PPL)
Fala em “falência do sistema penitenciário”, defendendo “medidas tanto para combater diretamente as facções criminosas que controlam os presídios, [...] quanto para realizar a ressocialização dos presos, acabando com a superlotação carcerária, desenvolvendo programas nas áreas de educação, saúde, trabalho e cultura, incluindo cursos profissionalizantes”. Entende que a prevenção, através da geração de oportunidades, é o centro do combate à criminalidade.
Fazem referência pontual a questão carcerária
Ciro Gomes (PDT)
Não apresenta nenhum tópico específico sobre questão carcerária. Na questão da segurança pública, focada no combate a crimes violentos, menciona a criação de “a criação de um sistema de acompanhamento do jovem egresso do sistema penitenciário”. Cita fatores sociais como fundamentais no debate da criminalidade, afirmando esperar que a “estratégia nacional de desenvolvimento, que inclui políticas econômicas e sociais, consiga dar esperança e emprego aos jovens”.
Eymael (DC)
Não cita o encarceramento em massa, apontando vagamente para a “reformulação do sistema penitenciário, para que atenda sua missão de ressocializar os apenados”.
Edição: Daniel Giovanaz