Eles são muitos, se organizam conjuntamente com o objetivo de conquistar e dividir uma única vaga no Legislativo e têm na coletividade o motor da luta política. Se você pensou nos chamados “mandatos coletivos”, acertou.
Surgida nas eleições de 2016, a composição de chapas com duas ou mais pessoas que disputam juntas uma vaga vem movimentando o cenário político-eleitoral em diferentes regiões do país.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a modalidade não tem previsão legal, por isso é considerada informal. Do ponto de vista burocrático, a candidatura oficial é registrada apenas com um número de CPF [Cadastro de Pessoas Físicas], cujo nome é considerado o titular do mandato e por isso é o único que aparece na urna eletrônica.
Se a chapa for eleita, somente ele poderá ser diplomado e, consequentemente, tomar posse. Segundo as regras, o mandato é pessoal e tem caráter intransferível.
Por conta disso, o titular é o único que pode assinar projetos de lei e participar de votações, caso se trate de um cargo no parlamento, ou assinar decretos e outros atos administrativos, se o mandato for para um cargo de gestão no Poder Executivo.
Já no caso de mandatos coletivos, o grupo responsável pode se organizar internamente. Em geral, o trabalho tem a seguinte dinâmica: o titular responde oficialmente pelas ações e decisões do mandato, mas estas são tomadas sempre de forma conjunta.
Por conta do caráter extraoficial da iniciativa, o TSE não sabe informar quantas chapas dessa natureza concorrem atualmente no pleito de 2018.
As informações, nesse caso, ficam por conta de pesquisadores e outros especialistas que se interessam pelo tema, como é o caso da professora Sabrina Fernandes, do curso de Ciências Sociais da Universidade de Brasília (UnB).
Um mapeamento feito pela pesquisadora localizou pelo menos 12 chapas de mandatos coletivos concorrendo este ano. Elas têm militantes de diferentes partidos, como PT, Rede, PMN e Podemos, mas a maioria está dentro do guarda-chuva do Psol.
As propostas já abarcam diferentes estados, entre eles São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal e Paraná, e miram cargos de senador e deputados federal, estadual e distrital. Ainda não há chapas como essas voltadas ao Poder Executivo.
Sabrina Fernandes destaca que as iniciativas têm tido uma resposta positiva da sociedade em relação a essas formas diferentes de ocupação do ambiente político na esfera institucional.
Para a socióloga, a execução de um mandato de forma articulada com os interesses coletivos tende a ajudar o país a superar a atual crise de representatividade no parlamento. Ela destaca o tradicional distanciamento da maioria da classe política em relação ao seu eleitorado, que, muitas vezes, só tem contato com o parlamentar em que votou a cada quatro anos, em época de eleição.
“As pessoas estão bastante frustradas com os modos atuais de representação. Com o mandato coletivo, a proposta é que essas pessoas que estejam ali nos cargos de ‘codeputados’, ‘covereadores’ estejam mais próximas da base, da população, e isso possibilite uma nova forma de relação política”, afirma.
A socióloga acrescenta que a maior parte das experiências vem do campo da esquerda por conta da tradição de diálogo com o povo, formação de poder popular e outras práticas geralmente encontradas dentro desse espectro político.
E é desse campo ideológico que surgiu, por exemplo, a primeira chapa de mandato coletivo do Distrito Federal, que concorre este ano a uma vaga de deputado distrital e está inscrita pelo Psol.
O grupo reúne quatro pessoas e propõe um mandato norteado por decisões que sejam tomadas a partir de assembleias populares. É o que explica o socioambientalista Thiago Ávila, registrado como titular do mandato.
“O parlamento é um lugar hoje praticamente impermeável à vontade popular. Pra nós, a tomada de decisão coletiva é uma forma de trazer o povo pro centro das decisões. Estamos falando de transferir o poder de dentro do parlamento de mármore e trazer pro barro das comunidades”, explica.
Além dele, o grupo tem uma indígena que atua em defesa dos direitos das comunidades tradicionais, um integrante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST) e uma advogada que milita nos movimentos feminista, negro e ainda em prol de bandeiras como a da economia solidária.
Diante da informalidade da iniciativa, os quatro registraram em cartório o modelo pelo qual deverá se orientar a atuação parlamentar, caso a chapa vença a eleição. Além do compartilhamento de responsabilidade no processo de tomada de decisão, a ideia é dividir igualmente também o salário e todos os benefícios do cargo.
O grupo destaca que a modalidade quebra a ideia de hierarquia entre os parlamentares e os atores que orbitam em torno dele, além de combater eventuais personalismos, favorecendo a atuação coletiva.
Já experiente na luta social, Nádia Nádila, a advogada que integra a chapa, afirma que a união de forças tem sido também o suporte do grupo em termos de perspectivas para o futuro.
“Sozinho, a gente até vai a algum lugar, mas coletivamente a gente vai muito mais longe”, sublinha.
Ganhos
E, se quem sonha com a execução de um futuro mandato coletivo tem boas expectativas para a eventual gestão, para aqueles que já desfrutam da experiência, a prática tem rendido bons frutos. É o caso da cientista política Isabella Gonçalves, que atua na Câmara Municipal de Belo Horizonte (MG).
Em 2016, ela liderou uma das 12 chapas de caráter popular que se uniram em torno de uma plataforma voltada aos interesses sociais, como direitos LGBTs, igualdade racial, demandas da juventude, entre outros.
Apesar de não terem sido formatadas inicialmente como mandatos coletivos, as chapas eleitas, que foram duas, resolveram se somar e absorver militantes que atuavam em defesa do projeto.
Em janeiro de 2017, as vereadoras recém-eleitas Áurea Carolina e Cida Falabella, ambas do Psol, fundiram o espaço dos dois gabinetes e passaram a dividir as tarefas e as decisões dos mandatos com os parceiros da causa. Batizada de “Gabinetona”, a iniciativa tem sido bastante celebrada pelos participantes.
“O mandato amplificou muito a confluência entre os movimentos e coletivos que já existiam pra incidência nas lutas e no ambiente institucional. Tem sido um aprendizado e um desafio cotidiano de construção coletiva”, aponta Isabella Gonçalves.
Futuro
Por ser um fenômeno recente, a formação de mandatos coletivos ainda é algo pouco pesquisado pela academia. Apesar disso e da rigidez da legislação eleitoral, que não absorve oficialmente a prática, há expectativas de que propostas dessa natureza se multipliquem nas próximas eleições.
Para o professor e pesquisador Thiago Trindade, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB), a iniciativa pode crescer ainda mais e conquistar legitimidade junto aos setores populares especialmente se for adotada também por figuras políticas de expressiva projeção nacional.
“Talvez, deixar um pouco as vaidades de lado e, de fato, abraçar experiências de caráter mais coletivo em detrimento de disputas mais individualizadas dentro do sistema político”, acredita.
A ideia de mandato coletivo já é pauta também na Câmara dos Deputados, onde tramita atualmente a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 379/17. De autoria da deputada Renata Abreu (Podemos-SP), a medida propõe a inclusão da prática dos mandatos coletivos na legislação eleitoral para o Poder Legislativo.
O objetivo é abranger os cargos de vereador, senador e deputado, nas diferentes esferas. A PEC aguarda apreciação da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, onde tem como relator o deputado Chico Alencar (Psol/RJ).
Edição: Diego Sartorato