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Um poeta que cantou a identidade latino-americana: Pablo Neruda

Neste 23 de setembro, completam-se 45 anos da morte do literato que versou e integrou o Partido Comunista chileno

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Poeta nasceu na província de Linares, na Região de Maule, no Chile
Poeta nasceu na província de Linares, na Região de Maule, no Chile - Divulgação
Neste 23 de setembro, completam-se 45 anos da morte do literato que versou e integrou o Partido Comunista chileno

Está meu coração nesta luta.

Meu povo vencerá.

Todos os povos vencerão, um por um. 

Trecho do poema "Um povo vitorioso" (1950)

Há 45 anos, a América Latina perdia um de seus maiores escritores: o chileno Pablo Neruda (1904 - 1973). Amigo pessoal de Salvador Allende, presidente do Chile que promoveu transformações sociais no país na década de 1970 e foi deposto por um golpe militar, Neruda é reconhecido como um dos poetas mais relevantes do século 20. Não por acaso, recebeu o Prêmio Nobel de literatura em 1971.

Para um país no qual a memória histórica é algo sagrado, o Chile guarda viva a presença de Neruda, como conta Franco López, chileno há oito anos no Brasil e pesquisador em América Latina: "Neruda é uma referência para qualquer chileno, algo que você vai aprender desde pequeno. Qualquer criança com cinco, seis anos no colégio vai estar recitando um poema de Neruda, vai conhecer a poesia e faz parte da nossa memória histórica".

Até hoje, a causa de sua morte não é certa. Ele morreu doze dias após o processo de golpe dos militares. A versão oficial alega que tenha sido causa natural, em decorrência de um câncer de próstata que o poeta carregava. Para muitos chilenos, porém, permanece a ideia de que ele foi envenenado pela ditadura neoliberal de Augusto Pinochet. Seu corpo já foi exumado quatro vezes.

Durante sua militância política, Neruda compôs a chamada ‘Geração de 1938’ e integrou as fileiras do Partido Comunista, em busca de uma sociedade mais justa e que conseguisse fazer uma transição para o regime socialista. Poeta engajado, muitos mitos também foram criados em torno de seu trabalho. Um deles se refere à participação do chileno no chamado Realismo Socialista, corrente artística da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) entre as décadas de 1930 e 1960.

O pesquisador em literaturas hispânicas e assistente de pesquisa na Yale University (EUA), Gabriel Lima, explica que, apesar da comum associação, ela não é correta. "Neruda, já nos anos 60, fez um balanço crítico das atividades do stalinismo na União Soviética e sempre se colocou contra a doutrina do realismo socialista que preconizava uma utilização da arte como forma de propaganda política", conta. 

Salvador Allende e Pablo Neruda (Foto: Fundación Allende)

Amor e política

Neruda é muito conhecido por suas obras que versavam sobre o amor, mas seu trabalho vai além disso. Em uma época na qual a literatura sul-americana ainda era marcada por muitos regionalismos, ele demonstra um conhecimento grande sobre a poesia europeia e ajuda na renovação do verso na América Latina. Sua obra é dividida entre o amor e a política.

"Ele participa de um processo de construção da identidade latino-americana que vai ser fundamental para todos os escritores que virão depois", explica Lima.

Uma de suas obras mais conhecidas é Canto Geral, publicada em 1950 e escrita em meio a Guerra Fria e um contexto de perseguição aos comunistas em diversos países, inclusive no Chile. "Nela, ele canta o Partido Comunista chileno, a luta dos trabalhadores espanhóis, a Revolução Russa e inúmeros processos de luta popular na América Latina, então diria que essa é a obra mais importante do ponto de vista político e literário". 

Contradições

Assim como muitos escritores brasileiros, Neruda também é apontado por carregar contradições em sua obra. Uma das principais delas diz respeito às mulheres e a forma como são abordadas nos seus escritos. São versos como:

Corpo de mulher, brancas colinas, coxas brancas,

pareces-te com o mundo na tua atitude de entrega.

O meu corpo de lavrador selvagem escava em ti

e faz saltar o filho do mais fundo da terra.

Trecho do poema "Canto de mulher" (1924)

Desde a década de 1990, porém, a crítica literária acompanha os avanços da sociedade e tem se preocupado, cada vez mais, com questões ligadas às mulheres.

"A crítica aponta uma certa idealização excessiva da figura da mulher e uma delegação à mulher do prazer sexual do homem, a atribuição a mulher de papeis que sejam mais significativamente ligados ao prazer sexual do que outra coisa. Existem esses aspectos problemáticos na poesia dele, o que hoje vem sendo discutido, como na obra de muitos escritores", explica Gabriel Lima. "A gente sabe que todos os seres humanos são repletos de contradições".

Legado

Lado a lado com suas contradições, Pablo Neruda deixou mais do que uma herança intelectual para a literatura latino-americana. Aos amantes de sua obra, ou admiradores de sua trajetória profissional, a afirmação de que as sociedades atuais têm muito a aprender com seu legado é comum.

"Fica o legado do Neruda tanto quanto ativista político quanto como poeta para todos nós que hoje estamos enfrentando processos de crescimento do ódio na América Latina, de ameaças, de governos antidemocráticos. Neruda, pouco antes de morrer, escreveu "Yo no voy a morirme, salgo ahora, en este dia lleno de volcanes, hacia la multitud, hacia la vida" (saio do meu leito para a vida, para as multidões)", opina Lima.

O chileno Franco López também relembra a atualidade de Neruda. "É alguém que sempre está presente, que eu particularmente identificaria como um latino-americanista. Tem um poema muito interessante que, a partir da chegada de Hugo Chávez no poder, diz que a cada cem anos Simón Bolivar renasce nos povos."

Hoje, o Chile, assim como outros países da América Latina, vive uma onda conservadora sob o governo de Sebastián Piñera. Político de centro-direita, ele interrompeu uma trajetória de dez anos de governos progressistas no país.

Simón Bolívar, citado no poema de Neruda, foi um chefe político e militar líder das revoluções que levaram à independência de países como Venezuela, Peru e Bolívia, ficamos com a esperança do poeta: “Desperto a cada cem anos quando desperta o povo.”
 

Edição: Michele Carvalho