O mercado editorial brasileiro, nas últimas décadas, foi marcado por um processo acelerado de concentração de editoras e redes de livrarias por meio de fusões e aquisições, além da chegada de atores internacionais, como a Amazon, que aumentam as desigualdades no setor. Na contramão, os grupos independentes resistem ao monopólio do segmento editorial e buscam ser ferramentas para formação de leitores conscientes.
Apesar do crescimento do índice de leitura no país (ver abaixo), o desenvolvimento cultural da população não é — e nem poderia ser — uma prioridade do mercado, destaca Carlos Bellé, um dos coordenadores da Expressão Popular, livraria e editora construída por movimentos populares.
"A questão central do livro ou da cultura está associada a política pública, você não escapa desse formato. Se o país quer se desenvolver culturalmente, necessariamente tem que ser com uma política de Estado. O mercado, em si, capitalista, individual e empresarial, nunca vai desenvolver um grande movimento de ideias a partir do material impresso; ele vai fazer negócios, esse é o ponto que se coloca, de maneira geral, às editoras que nós, convencionalmente, chamamos de comerciais", afirma.
As três maiores livrarias do país (Saraiva, Cultura e Fnac), com comércio físico e virtual, são responsáveis por quase 60% do faturamento do mercado editorial. Endividadas, dado que o setor vive uma crise de vendas e faturamento que já ultrapassa uma década, elas começam a mostrar sinais de recuperação, conforme dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros.
Em comparação com 2017, o acumulado do ano apresenta melhora de 9% no lucro das grandes editoras e livrarias. De acordo com a organização da Bienal de São Paulo 2018, o tíquete médio de gasto por pessoa subiu 33% em relação à edição anterior, em 2016.
Diversidade
O crescimento de poucas empresas é predatório para toda a cadeia editorial, principalmente pela falta de bibliodiversidade, avalia Haroldo Ceravolo Sereza, dono da Alameda Casa Editorial e um dos diretores da Liga Brasileira de Editoras (LIBRE), entidade que reúne grupos independentes.
"As livrarias caíram nesse truque de marketing das grandes editoras e se enfraqueceram como pontos culturais e de procura de novos livros pelos grandes leitores. Então as livrarias estão vivendo uma crise hoje porque se concentraram em poucos livros de leitores mais eventuais e perderam os leitores de muitos livros", analisa.
Sereza ressalta que a pluralidade editorial é o que garante outras diversidades como racial, linguística e de gênero. Reduzir a onipresença de poucas editoras no mercado, pontua, é permitir ao leitor o acesso à democracia no espaço do livro, sem interferência do discurso dominante e do capital internacional. Ele explica que a chegada da Amazon ao Brasil, em 2014, atraiu definitivamente para o e-commerce o cliente que antes comprava no varejo tradicional.
"Paralelamente a isso, é muito importante [para] as editoras independentes — a LIBRE, principalmente, defende muito — a noção de políticas públicas que favoreçam a diversidade do mercado editorial. O Estado precisa pensar quais são as regras que devem gerir o mundo editorial para que a gente tenha muitos projetos editoriais presentes nas livrarias, bibliotecas e salas de aula."
Editais do governo
Em abril deste ano, a LIBRE tornou pública uma carta endereçada ao presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), Antonio Idilvan de Lima Alencar. No documento, escrito em nome de mais de 100 editoras independentes, a entidade exige a revisão dos editais do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) para a compra de livros de literatura para os estudantes da rede pública de ensino para 2020.
Na opinião da agremiação, as regras desfavorecem e dificultam a participação de editoras independentes. "Ignorando os avanços do Estado brasileiro no reconhecimento da importância da diversidade cultural e editorial brasileira, tais normas do PNLD estimulam a concentração e a homogeneidade cultural", diz o documento.
"O governo praticamente reconhece que, em vez de bons livros para os alunos da escola pública, ofertará exemplares estandardizados e, consequentemente, com menos viço. O setor público, assim, explicita um preconceito contra os mais pobres, que ficam privados da qualidade editorial disponível para os leitores que podem pagar por livros nas livrarias”, conclui a carta.
“Cesta básica”
O número de leitores no Brasil subiu seis pontos percentuais (de 50% para 56%) entre 2011 e 2015, de acordo com a 4ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada pelo Ibope sob encomenda do Instituto Pró-Livro. A pesquisa comparou os crescimentos tanto no número de leitores quanto dos índices de leitura com o aumento da escolaridade da população nas últimas décadas.
Para 67% da população, no entanto, não houve uma pessoa que incentivasse a leitura em sua trajetória. O levantamento, divulgado a cada quatro anos, mostrou ainda que 30% dos entrevistados nunca comprou um livro. Porém, Sereza avalia que o preço do produto não é o fator determinante.
Ele aponta que o livro no Brasil não é especialmente caro se comparado com outros países capitalistas ocidentais. O gargalo de verdade, além do padrão de renda baixo, é o projeto político de nação, já que, em alguns países, o livro “faz parte da cesta básica”. A Venezuela, por exemplo, lidera como país leitor na América Latina, segundo o Índice de Cultura Mundial, de 2016. "Se a gente comparar com Cuba e Venezuela, os livros brasileiros são caríssimos, porque são países que tem uma política direcionada para edição e leitura."
Durante o governo Lula, os editais dos ministérios de Educação e Cultura limitavam a compra de livros em editoras comerciais como forma de fortalecer os grupos independentes. Com essa política, Sereza afirma que as gestões anteriores não só garantiram a pluralidade editorial como também impulsionaram o crescimento do mercado potencial do livro.
Usados
Livros lideram o ranking de produtos usados mais comprados nos últimos 12 meses, conforme pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). De acordo com os dados, nove entre dez consumidores pesquisados indicou preferência pela economia com a compra de produtos usados em sites ou aplicativos especializados.
O terreno digital vem ganhando espaço no comércio de livros novos e usados. Pensando nesse canal de vendas, a Livraria Cultura também comprou, em dezembro de 2017, o site Estante Virtual, que reúne o maior acervo de sebos e livreiros do Brasil.
Sereza analisa que, com a concentração de livrarias nas mãos de poucos conglomerados, os livros das editoras independentes perdem espaço e passam a circular mais lentamente, já que o objetivo do mercado é lucrar com produtos de massa.
Leitores conscientes
Como forma de furar os bloqueios que as grandes redes de livrarias criaram, as editoras independentes desenvolvem estratégias de venda direta e diálogo com o público. A Expressão Popular, por exemplo, atua com o Clube do Livro em todo o território nacional. Com preços acessíveis, a política disponibiliza mensalmente um lançamento, definido pelo Conselho Político da editora, que trate de temas pertinentes à formação e à ação da militância social brasileira.
"No caso da Expressão Popular, ela se enquadraria em uma política que busca efetivamente formar novos leitores, porque ela vai em um público onde as grandes redes comerciais de livrarias e editoras não chegam e, ao mesmo tempo, tem uma finalidade objetiva que é a de produzir essa massa crítica, onde as pessoas terão um conhecimento científico mínimo que as levem a transformar a realidade social", finaliza Bellé.
Conheça algumas editoras independentes:
Expressão Popular: de 1999, os quatro grandes eixos da linha editorial são clássicos do marxismo, pedagogia socialista, agroecologia e a atualidade da luta de classes.
Alameda Casa Editorial: desde 2004, a editora publica ensaios, livros de artigos, clássicos e debates contemporâneos, além de editar obras importantes de crítica literária, antropologia, filosofia e crítica de arte.
Boitempo Editorial: com 20 anos de existência, a editora publica obras dos mais influentes pensadores nacionais e internacionais, abrangendo diversas áreas das ciências humanas, como economia, política, história e cultura.
Ciclo Contínuo Editorial: se dedica à publicação de obras literárias e pesquisas na área das Humanidades, com enfoque especial na cultura afro-brasileira.
Elefante: nasceu em 2011 com o propósito de publicar solidária e coletivamente livros que podem não despertar interesse comercial, mas que possuem inquestionável relevância social, política e cultural.
Patuá: nativa de 2011, seu foco editorial é a Literatura Brasileira Contemporânea, nos gêneros poesia, conto, crônica e romance, com o objetivo principal de publicar bons autores que ainda não encontraram espaço nas grandes editoras, mas que também não desejam pagar pela edição da própria obra.
Edição: Pedro Ribeiro Nogueira