O olhar sobre a política daqueles e daquelas que protagonizam a cultura sempre é diferenciado. Alguns atribuem essa característica à sensibilidade, ao olhar aguçado sobre os mínimos detalhes que, por vezes, passam desapercebidos ao olhar comum. Talvez, junto a isso esteja o compromisso social que se escolhe fazer, e existem aqueles que optam por uma aliança com as classes populares e o regime democrático. A conversa com Tata Amaral para a Rádio Brasil de Fato é exemplo disso.
Aos 57 anos, a cineasta integra o grupo de brasileiros que, no conjunto da vida, viu de perto dois rompimentos democráticos: o golpe militar de 1964 e o golpe parlamentar midiático que retirou a presidenta eleita Dilma Rousseff (PT) em 2016 e empossou o golpista Michel Temer (MDB). Mas também viu a redemocratização, em 1985, e sabe que é da luta popular e política que renasce o direito do povo.
A seguir, você confere a entrevista com Tata Amaral, concedida pouco após o Partido dos Trabalhadores (PT) anunciar o ex-ministro da Educação Fernando Haddad como candidato à Presidência pela legenda, após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retirar de Lula o direito à candidatura nas eleições gerais de 2018.
Brasil de Fato -- No momento que estamos vivendo, parece que olhar para a história brasileira é cada vez mais importante. Você assistiu a momentos marcantes pro nosso país, entre eles as greves operárias no ABC paulista no final da década de 1970. Como foi esse momento? Qual resgate histórico você faz?
Tata Amaral -- Eu era uma jovem militante do movimento estudantil no final da década de 1970, e o movimento começou a se reorganizar no momento que nos acostumamos a chamar de 'abertura política', ao final da ditadura. Como militantes, quando começaram as greves do ABC, a gente falava 'bem, a coisa agora é séria, porque são os trabalhadores que estão em greve' e, principalmente em 1979, eu fui com o meu companheiro na ocasião para prestar meu apoio, estar ali, assistir às assembleias.
Foi uma coisa muito impressionante, primeiro porque a repressão era muito maior do que para com o movimento estudantil da época; muita bomba, cavalaria em cima dos manifestantes, o Sindicato dos Metalúrgicos sofrendo intervenção, o presidente, que era o Lula, se afastando. E eu tive a oportunidade de vê-lo na volta e testemunhar uma imensa assembleia que, posteriormente, foi registrada pelas lentes de Leon Hirszman no filme ABC da greve.
Nesse filme, Lula fala sobre a necessidade de se criar um partido dos trabalhadores para travar a luta política, porque a luta sindical está circunscrita a luta de uma categoria por melhores condições de salário e uma série de outras reivindicações.
No dia 11 de setembro, houve o lançamento do livro Luiz Inácio LUTA da Silva: nós vimos uma prisão impossível, que reúne testemunhos de pessoas presentes em São Bernardo do Campo nas 48 horas que antecederam a prisão política do ex-presidente Lula. Um desses relatos é seu. Queria que você nos contasse um pouco sobre o livro e sobre como foi viver esse momento histórico tão delicado de perto...
No livro, conto um episódio que de fato aconteceu comigo quando fui prestar solidariedade ao movimento dos trabalhadores que estavam em greve em São Bernardo. Eu estava grávida e, como tal, vi aquelas agressões da polícia. Quando minha filha nasceu, poucos dias antes da anistia ser decretada, eu e o pai dela constatamos que não havia no Brasil ninguém que tivesse vivido 50 ou 60 anos exclusivamente em democracia, porque sempre a elite interrompia o processo democrático com um momento de repressão, de ditadura sangrenta, de arbitrariedade, de proibição dos partidos e sindicatos. Ali, como jovens militantes, sonhadores, a gente fez um desejo: que a nossa filha, nascida em 1979, vivesse uma longa vida em um país democrático.
Depois do impeachment da Dilma, com o qual fiquei bastante tocada porque não havia crime de responsabilidade – inclusive depois disso tivemos várias comprovações da ilegalidade daquele processo –, eu mesma começo a me preocupar com a democracia brasileira e achar uma coisa completamente absurda a gente não conseguir sustentar a democracia no nosso país. Escrevo sobre isso no livro e essa reflexão é detonada a partir do momento que estou lá, em São Bernardo, no dia que fui prestar minha solidariedade ao Lula, que estava sofrendo esse mandato de prisão, na minha opinião completamente injusto e arbitrário.
Como você enxerga o momento político que vivemos – a corrida eleitoral, a prisão política do ex-presidente Lula e a grande farsa judicial em torno da sua figura para impedi-lo de ser candidato à Presidência?
É uma situação absurda, de um filme de ficção que, se você escrevesse esse roteiro, ninguém ia acreditar. Parece inverosímil. Enxergo essa situação como um roteiro muito errado, mas é real: uma pessoa está presa, vários eleitores estão sentindo que o seu voto, mais uma vez, está sendo sequestrado – a primeira vez foi no impeachment da ex-presidenta Dilma. Vejo com muita consternação sobre essa fragilidade das nossas instituições.
Por outro lado, vejo também pessoas, movimentos, partidos e acho admirável o que o Partido dos Trabalhadores está fazendo no sentido de nos mostrar, didaticamente, como a Constituição não está sendo respeitada. Vejo com muita preocupação e, por outro lado, com muita admiração por aqueles que estão lutando por um país melhor.
Você era uma jovem militante do movimento estudantil e hoje é uma cineasta reconhecida no nosso país. Como enxerga a importância de manifestações políticas por parte de figuras como você, que produzem arte e protagonizam o campo da cultura?
A gente sempre fala de um lugar. Sempre achei que não existe a imparcialidade do discuso. Você vê a grande imprensa, que se diz imparcial, e é a mais parcial de todas, mas esconde isso dos seus leitores e telespectadores. Tenho muita clareza que falo a partir de um lugar e de qual ele é. Sou uma mulher, da classe média, nunca fui rica, mas, evidentemente, vivo em uma situação privilegiada de mulher branca de classe média. E é desse lugar que eu falo e percebo coisas: a minha sociedade, o meu país, vejo como as injustiças acontecem e pessoas, políticos, instâncias trabalhando para corrigir essas injustiças históricas.
Por mais que eu sempre esteja produzindo entretenimento, cinema, é inevitável, eu não sei fazer filmes sem uma reflexão e sem expressar a minha visão, ainda que isso aconteça no campo das emoções.
Edição: Diego Sartorato