Mesmo sem Lula, o PT mostra que é o partido atualmente com maiores chances de estar no segundo turno”, sustenta o cientista político Paulo Sérgio Peres, da UFRGS. O candidato, então, seria Fernando Haddad. “Tenho a convicção de que a esquerda estará no segundo turno”, entende o pesquisador e economista Pedro Paulo Dutra Fonseca, também da UFRGS. “A grande dúvida está em quem será o adversário, se Bolsonaro ou Alckmin”, assinala.
Peres acredita que 2018 repetirá as campanhas desde a primeira eleição de FHC em 1994: um embate bipolar com a presença de alguma terceira força com certo capital eleitoral. “Essa terceira força já foi o Garotinho, o Ciro Gomes e a Marina Silva”, agrega. “O que temos, portanto, é uma disputa pelo polo antipetista no segundo turno, opondo Alckmin a Bolsonaro”. Enquanto isso, permaneceria aberta a briga pela terceira força, envolvendo Marina, Ciro e o próprio Alckmin, caso não decole mesmo dispondo de uma vasta coligação, mais estrutura, mais dinheiro e 40% do horário eleitoral. Isto sem mencionar a mídia empresarial, maciçamente engajada na campanha do PSDB.
A disputa virtual
“Vai haver um embate entre as redes sociais e a TV”, antecipa Fonseca, citando o grande trunfo de Bolsonaro. Ao contrário de Alckmin, o candidato do PSL tem forte presença no Facebook, Youtube e Twitter. Apesar de uma pesquisa do Instituto InternetLab ter apontado que 33% dos perfis que seguem Bolsonaro são perfis falsos controlados por computadores, o que se chama de robôs. Seus apoiadores avaliam que o tempo mais curto de campanha favorecerá o deputado. Os tucanos, enquanto isso, manobraram para colocar a senadora Ana Amélia como vice da chapa, evitando que o PP gaúcho apoiasse Bolsonaro. "Como o PT tem um capital eleitoral consolidado no Nordeste – observa Peres - o Sul tornou-se um mercado fundamental para o PSDB e isso demandava anular a entrada de Bolsonaro no eleitorado pelo menos do Rio Grande do Sul.”
Uma das características de 2018 é a fragmentação do bloco conservador. “Há uma divisão na direita como nunca antes”, registra Fonseca. “Mas a esquerda também não conseguiu se unir”, acrescenta. Peres pondera que “os partidos de esquerda, movimentos sociais, esquerda social pulverizada, todos estão extremamente atrelados à força gravitacional do Lula”. Argumenta que, para a esquerda, a centro-esquerda e parte significativa do centro “Lula está sendo impedido de ser candidato para se evitar que a agenda social volte ao poder. Está sendo visto como um perseguido político, inclusive fora do país”. E prossegue: “Se essa percepção for verdadeira, então, temos outro fato inédito na teoria política advindo do caso brasileiro: um impeachment do futuro presidente”. Ou seja, diante da iminência de Lula ser eleito, estaria ocorrendo “uma espécie de impeachment antecipado, evitando-se que seja candidato”.
As notícias encarceradas
A grande marcha para registrar a candidatura de Lula, a ampliação da sua vantagem nas pesquisas e a decisão da ONU em prol de sua candidatura despertaram irritação ou silêncio na mídia empresarial. Porém, o artigo de Lula no New York Times denunciando o golpe e sua prisão injusta talvez tenha tocado mais fundo na ferida. Tanto que a imprensa nativa repetiu um velho comportamento diante do grande jornal norte-americano. Defensor de outro regime ilegítimo - o de 1964 - O Globo se enfureceu com a edição do NY Times de 4 de janeiro de 1969 contendo o editorial “As notícias encarceradas da América Latina”. Coincidentemente, denunciava prisões ilegais no Brasil, além da censura e da violência.
O jornal da família Marinho retrucou também em editorial, empunhando seu tacape na defesa da ditadura. Acusou o NY Times de “apresentação exagerada dos fatos” e “pérfida exploração da meia verdade", chamando-o de "fonte da campanha antibrasileira" e de promotor de Cuba e Fidel Castro...
Órgão oficioso da ditadura, O Globo atacou também os jornais franceses Le Monde e L`Express, que haviam criticado a censura às palavras do Papa Paulo VI no Brasil. Definiu a França como “imatura politicamente” com sua “hilariante democracia parlamentarista”. Bem, para um jornal apoiador de uma tirania, O Globo só poderia achar “hilariante” uma democracia fosse qual fosse.
Em 2018, a colunista Miriam Leitão entendeu que Lula iludiu o NY Times com uma “simplificação” do que ocorreu no país. Considerou que o ex-presidente contou “uma ficção”. Lições de jornalismo que somente O Globo poderia dar ao diário dos EUA...
Na sua cruzada, o jornal da família Marinho recebeu a adesão do Estadão. Seu editorial entendeu como “inexplicável” a postura do NY Times. E ressuscitou até uma expressão em desuso desde o final dos anos 1970 referindo-se a “uma campanha internacional de difamação das instituições brasileiras”. Era exatamente assim que os jornais acumpliciados com a ditadura tratavam as notícias do exterior que expunham a censura, a tortura e os assassinatos praticados de 1964 a 1985. A mostrar que, também hoje, as notícias continuam encarceradas.
Edição: Marcelo Ferreira