Eleições 2018

Carta a Barroso pede respeito a tratados internacionais

Juristas e intelectuais enviam mensagem ao ministro, que analisa nesta sexta-feira o registro da candidatura de Lula

Brasil de Fato | São Paulo |

Ouça o áudio:

Ministro Luís Roberto Barroso, relator do registro da candidatura de Lula no TSE
Ministro Luís Roberto Barroso, relator do registro da candidatura de Lula no TSE - Carlos Humberto/SCO/STF

Juristas e intelectuais de renome enviaram nesta sexta-feira (31) uma carta dirigida ao ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) e relator do pedido de candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O TSE marcou para esta sexta-feira uma sessão extraordinária, motivada por um recurso da defesa do ex-presidente Lula, no qual os advogados do petista pedem que a Justiça Eleitoral dê condições para a participação do candidato à presidência pelo PT na campanha eleitoral. 

No texto, se apresentam como “cidadãos brasileiros” que têm “em comum a preocupação com a democracia, a garantia dos direitos humanos, a legitimidade do Estado e a credibilidade internacional do Brasil”. E ressaltam as posições “humanistas” do ministro Barroso e sua defesa dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. 

Os intelectuais e juristas destacam a liminar, emitida pelo Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), na qual o “órgão de tratado” do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos requisita ao Estado brasileiro “tomar todas as medidas necessárias” para assegurar o exercício dos direitos políticos do ex-Presidente na qualidade de candidato – o que inclui o acesso à imprensa e aos membros de seu partido – “até que seus recursos diante dos tribunais sejam julgados de forma definitiva em procedimentos judicias justos”. 

Em entrevista ao programa No Jardim da Política, da Rádio Brasil de Fato, na última quinta-feira (31), o ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa dos governos Lula e Dilma, Celso Amorim falou sobre o julgamento desta sexta-feira.

“O ministro Barroso é um daqueles que defendeu sempre os tratados internacionais e os direitos humanos. Eu acho que esse julgamento, ainda que não seja o julgamento da inelegibilidade, não sei se será, mas será um passo importante, se o Brasil quiser, como deve, cumprir com a obrigação internacional emanada do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e da decisão do Comitê de Direitos Humanos”.

Segundo Amorim, é de conhecimento dos ministros do TSE o compromisso do Brasil com o cumprimento de tratados internacionais com caráter “supralegal”.

“O Brasil tem uma dupla obrigação, primeiro porque o tratado internacional tem um valor supralegal, não é supraconstitucional, mas ele vale mais do que qualquer lei, inclusive a lei da Ficha Limpa, ou qualquer outra lei. Essa é uma opinião unânime dos juristas, e mais ainda quando se trata de direitos humanos. No caso dos direitos humanos, esses tratados têm valor civilizatório”, disse. 

 “Confiamos que V. Exa., que tem demonstrado forte compromisso com a democracia e com a justiça, levará em consideração esses valores ao analisar as questões envolvendo a candidatura do ex-Presidente Lula”, termina a carta. 

O documento é assinado por Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda, Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa, Luiz Felipe Alencastro, professor titular da Universidade Sorbonne e da Fundação Getúlio Vargas, Paulo Sérgio Pinheiro, Presidente da Comissão de Investigação da ONU sobre a Síria e ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos, Maria Vitoria de Mesquita Benevides, professora titular da USP, Dalmo Abreu Dallari, professor titular da USP, Fábio Konder Comparato, professor titular da USP e Pedro Celestino Pereira, engenheiro.

Leia a seguir a íntegra da carta enviada ao ministro Luís Roberto Barroso:

São Paulo, 30 de agosto de 2018.

Ao Exmo. Ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso.

Prezado Ministro,

Nós, cidadãos brasileiros que sempre participamos da vida pública, temos em comum a preocupação com a democracia, a garantia dos direitos humanos, a legitimidade do Estado e a credibilidade internacional do Brasil.

Vossa Excelência tem professado com vigor valores humanistas. Em seu livro, A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo, afirma que “a globalização do direito é uma característica essencial do mundo moderno, que promove, no seu atual estágio, a confluência entre Direito Constitucional, Direito Internacional e Direitos Humanos. As instituições nacionais e internacionais procuram estabelecer o enquadramento para a utopia contemporânea: um mundo de democracias, comércio justo e promoção dos direitos humanos”.

Nesse contexto, Vossa Excelência já se manifestou em algumas ocasiões sobre a importância de o Estado brasileiro cumprir as decisões exaradas por órgãos internacionais, advindas de tratados internacionais de direitos humanos recepcionados pelo Brasil.

No julgamento de uma Questão de Ordem em que se discute a legalidade das candidaturas livres no sistema político brasileiro, V. Exa. ressaltou o caráter supralegal do Pacto de San José da Costa Rica. No mesmo sentido, quando foi sabatinado pelo Senado Federal, V. Exa. lembrou que o estágio atual da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é a de que os tratados internacionais têm um nível supralegal; estão acima da lei. 

Em 17 de agosto de 2018, o Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), um “órgão de tratado” (treaty body) do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, acolheu o pedido com caráter de liminar proposto pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por intermédio de seus advogados. No documento do Alto Comissariado de Direitos Humanos que comunica a decisão, ressalta-se que o Comitê requisita ao Estado brasileiro “tomar todas as medias necessárias” para assegurar o exercício dos direitos políticos do ex-Presidente na qualidade de candidato – o que inclui o acesso à imprensa e aos membros de seu partido – “até que seus recursos diante dos tribunais sejam julgados de forma definitiva em procedimentos judicias justos”. 

Confiamos que V. Exa., que tem demonstrado forte compromisso com a democracia e com a justiça, levará em consideração esses valores ao analisar as questões envolvendo a candidatura do ex-Presidente Lula. 

Com elevados protestos de estima e respeito, subscrevemo-nos,

Atenciosamente,

- Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda, da Administração Federal, e da Ciência e Tecnologia 
- Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores e da Defesa.
- Luiz Felipe Alencastro, professor titular da Universidade Sorbonne e da Fundação Getúlio Vargas.
- Paulo Sérgio Pinheiro, Presidente da Comissão de Investigação da ONU sobre a Síria e ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos.
- Maria Vitoria de Mesquita Benevides, professora titular da USP.
- Dalmo Abreu Dallari, professor titular da USP.
- Fábio Konder Comparato, professor titular da USP.
- Pedro Celestino Pereira, engenheiro.

Edição: Juca Guimarães