Saúde

Amazônia: Vítimas que perderam couro cabeludo seguem com pouca atenção do Estado

O dia nacional do combate ao escalpelamento deve ser lembrado todos os dias, diz vítima

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Doação de cabelos para vítimas de escalpelamento é campanha permanente
Doação de cabelos para vítimas de escalpelamento é campanha permanente - Foto: Carlos Sodré/Agência Pará

Mulheres e crianças da região Amazônica, nos estados do Pará e Amapá, ainda sofrem com o preconceito, desamparo nas políticas públicas e sérios problemas de saúde decorrentes do escalpelamento — o arrancamento brusco e acidental do couro cabeludo (escalpo), geralmente, por motores de barco. 

O acidente normalmente acontece quando o eixo do motor de uma embarcação está descoberto. Sem proteção, os fios do cabelo são enrolados ao eixo, arrancando assim de forma total ou parcial o escalpe. Cirurgias reparadoras são feitas, mas o cabelo não nasce mais.

Desde 2007 as vítimas de escalpelamento da Amazônia foram reconhecidas nacionalmente, por meio da criação do Dia Nacional de Combate ao Escalpelamento, celebrado em 28 de agosto. Entretanto, os traumas e sequelas causados pela falta de proteção no eixo das embarcações ainda deixam vítimas pelos rios.

A pedagoga Rosinete Ferrão sofreu o escalpelamento durante uma viagem de barco. Ex-presidenta da Associação de Mulheres Ribeirinhas Vítimas de Escalpelamento na Amazônia, ela é atualmente integrante da associação como as 138 associadas. Apesar de terem sido registrados entre 2017 até agora dois acidentes, ela reforça que a campanha deve ser permanente.

“A gente precisava de políticas públicas, que as pessoas que viajam pela Amazônia se conscientizem para que não aconteça mais esse tipo de acidente, que é o escalpelamento. Que esse dia 28, não só esse dia seja um dia de conscientização, mas o ano inteiro, todo os dias”.

O eixo do motor em muitas embarcações ribeirinhas não são cobertos / Foto: EBC 

Os dois casos, de acordo com Ferrão, ocorreram no período de férias, um no município de Itaubal, com uma menina de 11 anos, e outro no arquipélago do Bailique, ambos no estado do Amapá.

Comparado a anos anteriores o número de acidentes vem diminuindo. De acordo com a pesquisa "Prevenção para redução aos casos de acidentes com escalpelamento no Estado do Pará", entre 2001 e 2008 ocorreram 178 acidentes. Em 2009, seis casos foram registrados e três em 2010.

Mesmo assim, Ferrão avalia que ainda falta sensibilização sobre o assunto nas comunidades ribeirinhas, para que mulheres e crianças não venham mais a sofrer com essa violência. “Teria como zerar se tivesse mais apoio e divulgação na mídia, no rádio, para os ribeirinhos se conscientizarem porque a Marinha não tem logística para adentrar esses pequenos igarapés”.

Em nota, a Marinha do Brasil, através da Capitania dos Portos da Amazônia Oriental (CPAOR), afirma realizar a distribuição e a montagem de kits de forma gratuita para as embarcações com o eixo descoberto. Segundo a instituição, o proprietário deve entrar em contato com a CPAOR solicitando a realização da cobertura de eixo. E informa que a capitania “não pune de nenhuma maneira os proprietários das embarcações que solicitam a realização das coberturas”.

Sequelas

A psicóloga Ana Carolina Lins faz o atendimento às vítimas na Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP), em Belém, e fala que o escalpelamento gera uma cadeia de traumas físico, psicológicos e sociais.

“Têm pessoas que passam pelo trauma físico, pelo trauma psicológico imediato após a ocorrência do acidente. Em decorrência disso, elas sofrem preconceito; é muito difícil, por exemplo, retornar para essa comunidade. Para as crianças e jovens é muito difícil retornar para a escola”, conta.

Segundo a profissional de saúde, o trauma afeta toda a família. Grande parte das mulheres, crianças e jovens moram em comunidades ribeirinhas, distante da capital. Para continuar com o tratamento, as vítimas precisam se deslocar para o hospital da Santa Casa em Belém, o que modifica a rotina e a organização familiar.

O trabalho na comunidade também é afetado. Muitas das vítimas desempenhavam atividades na roça ou na pesca e, após o acidente, ficaram mais vulneráveis à exposição ao sol.

“Elas não podem se expor ao sol. Isso faz, por exemplo, que quem trabalha na lavoura com a agricultura familiar, com a retirada do açaí, ou mesmo com a pesca, já não possa mais desempenhar aquela atividade. Pode vir a ter uma lesão de pele, vir a desenvolver um câncer de pele, como já ocorreu”.

Autoestima

O apoio psicológico às vítimas tem por objetivo a reconstrução da autoestima. Ferrão conta que muitas delas passaram a usar perucas e a campanha de doação de cabelos é permanente. “Sempre estamos precisando, até porque são 138 vítimas de escalpelamento e a peruca dura até um ano”.

Para quem quiser fazer a doação de cabelo é só entrar em contato com ela pelo número (96) 99129 6173.

Edição: Cecília Figueiredo