“À diferença do sistema prisional, nos hospitais-prisão as pessoas não cumprem penas, ficam presas sem limite máximo de tempo”. Essa é uma das denúncias realizadas por Luisa Cytrynowicz, do Grupo de Trabalho (GT) Saúde Mental e Liberdade, da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo, sobre os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do estado de São Paulo.
Na quinta-feira (16), o GT lançou o relatório Hospitais-Prisão: notas sobre os manicômios judiciais de São Paulo, produto de diversas visitas e entrevistas realizadas desde 2014, aos três hospitais-prisão do estado, o HCTP I “Professor André Teixeira Lima” e HCTP II em Franco da Rocha e o HCTP de Taubaté “Dr. Arnaldo Amado Ferreira”.
Os hospitais-prisão estão vinculados à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) do estado. Eles estão destinados àquelas pessoas que cometeram crimes mas não podem ser responsabilizadas por serem “portadores de transtorno mental”, segundo o relatório.
Entre as denúncias feitas pelo GT estão: a medicalização excessiva dos pacientes-detentos, principalmente das mulheres; o isolamento deles em relação a famílias e amizades; a ausência de atividades cotidianas; entre outras. O grupo denuncia que estas condições configuram técnicas de tortura para os pacientes-detentos.
Confira a entrevista concedida por Cytrynowicz à Rádio Brasil de Fato.
Brasil de Fato: O que leva a serem encaminhadas pessoas a esses hospitais-prisão no estado de São Paulo?
Luisa Cytrynowicz: As pessoas que são levadas pra lá elas estão em conflito com a lei e elas têm algum transtorno mental. Por esse motivo elas não podem receber uma pena. A partir dessa constatação, o juiz determina uma medida de segurança. E, à diferença da pena, essa medida de segurança não tem um tempo máximo de cumprimento. Elas cumprem a medida por um tempo indeterminado, até que um psiquiatra e uma equipe técnica constatem que ela pode sair. Então, é um sistema prisional em que as pessoas não têm um tempo determinado para ficar lá.
O relatório aponta a utilização de práticas de tortura, por quê?
O que constatamos nesses 4 anos, é que as pessoas que são custodiadas têm muitos direitos violados, não é só a restrição da liberdade mas a impossibilidade de estar em contato com as famílias, com os amigos, a escassez de vagas de trabalho e de estudo, de atividades de lazer; um relato muito recorrente é de passar o dia inteiro sem fazer nada. Então, como um lugar que deveria ser de tratamento pode ser um lugar em que as pessoas recebem altas quantidades de medicamentos e passam o dia com pouquíssimas atividades?
Sobre as novas técnicas de tortura, uma ideia que a pastoral carcerária vem desenvolvendo há algum tempo é de que as instituições prisionais como um todo têm vários elementos que configuram uma situação de tortura estrutural. O que entendemos é que vários elementos que compõem o ambiente prisional provocam os mesmos efeitos físicos e psíquicos que agressões físicas, muito dolorosos para as pessoas que estão lá dentro.
O que observamos é que boa parte do que se entende por tratamento lá dentro passa pelo medicamento necessariamente. As pessoas que estão custodiadas nos hospitais-prisão não têm a liberdade de sentirem as dores de estarem distante de suas famílias, de seus amigos. Um relato muito recorrente é de que se a pessoa fica muito triste é logo medicada. Esse uso excessivo de medicamento é para lidar com todo e qualquer sentimento ou sintoma, mesmo que sejam normais pra quem está isolado do seu próprio convívio. E vemos isso especialmente em relação às mulheres. Quando as mulheres ficam tristes por conta da distância dos filhos, por exemplo, a resposta muitas vezes é a medicação.
A luta antimanicomial propõe o fechamento dos hospitais-prisão. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) podem ser uma alternativa?
Com certeza. Ainda que apontando ressalvas a outros equipamentos que podem, por vezes, reproduzir uma lógica manicomial, entendemos que os equipamentos pra tratamento em meio aberto fazem muito mais sentido do que esses outros que restringem a liberdade. Então, no caso das medidas de segurança, por exemplo, elas podem ser cumpridas tanto em meios fechados quanto em aberto, em equipamentos como os CAPS. Isso permite que a pessoa esteja no seu próprio convívio e que possa estabelecer vínculos e lidar com seus problemas de forma muito mais efetiva e sem tantas violações de direitos, como a gente observa nos hospitais-prisão. Então, com a ressalva de não reproduzir uma lógica manicomial, com certeza esses equipamentos podem ajudar muito.
Que encaminhamento será dado a este relatório? Será utilizado como denúncia ao estado de São Paulo?
A ideia é que os atores responsáveis pela apuração de violações de direitos que ocorrem nesses lugares se manifestem e atuem. Nós esperamos que a Defensoria Pública e outros atores que deveriam averiguar as condições de custódia das pessoas nos hospitais-prisão, se mobilizem e que entendam isso como um passo importante pra avaliar a forma de tratamento que está sendo dada às pessoas nos hospitais-prisão.
Edição: Mauro Ramos