Em artigo para o New York Times, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que há sim, um golpe de direita em andamento no Brasil, mas que a justiça prevalecerá. Lula aponta para a realidade do Brasil, há dezesseis anos atrás, e o conquistado em governos petistas.
Lula discorre sobre seu primeiro governo, eleito em 2002, quando os mercados se abalaram, mas acalmaram com o evidente crescimento da economia. E sobre como as políticas sociais se mostraram acertadas, parte do ganho que o país obteve.
Então tudo é interrompido. As forças que tomaram o poder, com o impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff e que prossegue com seu encarceramento. Tanto o impeachment quanto sua prisão são pautados por processos que carecem de verdade. A direita que depôs Dilma, apoia Moro, e fazem parte desta ameaça que paira sobre o país.
Lula: Eu quero democracia, não impunidade
Por Luiz Inácio Lula da Silva
Dezesseis anos atrás, o Brasil estava em crise; um futuro incerto. Nosso sonho de sermos um dos países mais prósperos e democráticos do mundo pareciam ameaçados. A ideia de que um dia nossos cidadãos poderiam desfrutar dos padrões de vida confortáveis de nossos colegas na Europa ou em outras democracias ocidentais parecia estar desaparecendo. Menos de duas décadas após o fim da ditadura, algumas feridas daquele período ainda estavam cruas.
O Partido dos Trabalhadores ofereceu esperança, uma alternativa que poderia mudar essas tendências. Foi por esta razão, creio, acima de tudo, que triunfamos nas urnas em 2002. Eu me tornei o primeiro líder trabalhista a ser eleito presidente do Brasil. Inicialmente, os mercados foram abalados por esse desenvolvimento, mas o crescimento econômico que se seguiu os deixou à vontade.
Nos anos que se seguiram, os governos do PT conseguiram reduzir a pobreza em mais da metade em apenas oito anos. Nos meus dois termos, o salário mínimo aumentou 50%. Nosso programa Bolsa Família, que auxiliou famílias pobres ao mesmo tempo em que garantiu que as crianças recebiam educação de qualidade, ganhou renome internacional. Nós provamos que combater a pobreza era uma boa política econômica.
Mas este progresso foi interrompido. Não através das urnas, embora o Brasil tenha tido àquele momento eleições livres e justas. Mas com a interrupção de um mandato da presidente Dilma Rousseff, que sofreu impeachment e foi destituída do cargo por uma ação que até mesmo seus oponentes admitiram não ser uma ofensa imputável. Então, eu também fui mandado para a prisão, depois de um julgamento duvidoso sobre acusações de corrupção e lavagem de dinheiro.
Meu encarceramento foi a última fase de um golpe em câmera lenta destinado a marginalizar permanentemente as forças progressistas no Brasil. Pretende-se impedir que o Partido dos Trabalhadores seja novamente eleito para a presidência. Com todas as pesquisas mostrando que eu venceria facilmente as eleições de outubro, a extrema direita brasileira está tentando me tirar da disputa. Minha condenação e prisão são baseadas somente no testemunho de alguém cuja própria sentença foi reduzida em troca do que ele disse contra mim. Em outras palavras, era do seu interesse pessoal dizer às autoridades o que elas queriam ouvir.
As forças de direita que tomaram o poder no Brasil não perderam tempo na implementação de sua agenda. A administração profundamente impopular do presidente Michel Temer aprovou uma emenda constitucional que estabelece um limite de 20 anos para os gastos públicos e promulgou várias mudanças nas leis trabalhistas que facilitarão a terceirização e enfraquecerão os direitos de negociação dos trabalhadores e até mesmo seu direito a uma jornada de trabalho de oito horas. O governo Temer também tentou cortes nas aposentadorias.
Os conservadores do Brasil fizeram muito trabalho para reverter o progresso de nossos governos do Partido dos Trabalhadores e estão determinados a nos impedir de voltar ao cargo em um futuro próximo. Seu aliado nesse esforço é o juiz Sérgio Moro e sua equipe de promotores, que recorreram a gravações e vazamentos de conversas telefônicas particulares que tive com minha família e com meu advogado, incluindo uma conversa ilegal. Eles criaram um roteiro fantasioso de mídia ao me prenderem, pois me acusaram de ser o “mentor” de um vasto esquema de corrupção. Esses detalhes aterradores raramente são relatados na grande mídia.
Moro foi protegido pela mídia de direita do Brasil. Ele se tornou intocável. Mas a verdadeira questão não é o Sr. Moro; são aqueles que o elevaram a esse status intocável: elites de direita, neoliberais, que sempre se opuseram à nossa luta por maior justiça e igualdade social no Brasil.
Não acredito que a maioria dos brasileiros tenha aprovado essa agenda elitista. É por isso que, embora eu possa estar na prisão hoje, eu estou concorrendo à presidência, e porque as pesquisas mostram que, se as eleições fossem realizadas hoje, eu venceria. Milhões de brasileiros entendem que minha prisão não tem nada a ver com corrupção, e eles entendem que eu estou onde estou apenas por razões políticas.
Eu não me preocupo comigo mesmo. Já estive preso antes, sob a ditadura militar do Brasil, por nada mais do que defender os direitos dos trabalhadores. Essa ditadura caiu. As pessoas que estão abusando de seu poder hoje também cairão.
Eu não peço estar acima da lei, mas um julgamento deve ser justo e imparcial. Essas forças direitistas me condenaram, me prenderam, ignoraram a esmagadora evidência de minha inocência e me negaram o habeas corpus apenas para tentar me impedir de concorrer à presidência. Eu peço respeito pela democracia. Se eles querem me derrotar de verdade, que o façam nas eleições. Segundo a Constituição brasileira, o poder vem do povo, que elege seus representantes. Então que se deixe o povo brasileiro decidir. Eu tenho fé que a justiça prevalecerá, mas o tempo está correndo contra a democracia.
Tradução: Gustavo Conde
Edição: Redação