Rio de Janeiro

INTERVENÇÃO

Relatório aponta aumento de 60% nos tiroteios após intervenção militar no Rio

Documento da Comissão Popular da Verdade destaca ainda que o registro de chacinas dobrou no estado nos últimos meses

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O relatório foi apresentado por diversos movimentos populares, organizações e ativistas de direitos humanos na quarta-feira (25) no Rio
O relatório foi apresentado por diversos movimentos populares, organizações e ativistas de direitos humanos na quarta-feira (25) no Rio - Flora Castro/Brasil De Fato

A Comissão Popular da Verdade, articulação criada por mais de 60 organizações para monitorar as atividades da intervenção militar no Rio de Janeiro, lançou seu primeiro relatório na manhã da última quarta-feira (25). O documento foi produzido a partir do acúmulo de informações apuradas por movimentos populares, partidos políticos, mandatos parlamentares, além de dados disponibilizados por órgãos como o Fogo Cruzado, o Observatório da Intervenção e o Instituto de Segurança Pública (ISP). O Brasil de Fato dá detalhes sobre o documento que ajuda a traçar um quadro da segurança pública no estado do Rio de Janeiro nos primeiros meses da intervenção militar. Confira:

Segurança pública

De acordo com o relatório, os tiroteios aumentaram 60% em relação ao mesmo período do ano passado (fevereiro a junho de 2017) e são 37% maior que nos cinco meses anteriores à intervenção (de setembro de 2017 a janeiro de 2018). Foram registrados, nos cinco meses de intervenção, 4005 tiroteios e disparos de arma de fogo em todo o estado.

Os piores números foram em municípios da Baixada Fluminense. Em relação aos cinco meses anteriores à intervenção, Belford Roxo teve um aumento de 161% no número de tiroteios. Se comparado aos mesmos meses do ano passado o número é ainda maior: o aumento foi de 508%.

Também foram registrado aumentos preocupantes no número de chacinas. Foram 28 eventos, mais que o dobro do mesmo período em 2017 em que foram registrados 13 chacinas no estado. No total, foram 119 mortos durante a intervenção (contra 46 no ano passado).

Violações 

Relatório aponta ainda que as forças policiais matam mais na intervenção. Os registros decorrentes de intervenção policial apresentaram um aumento de 9% nos cinco meses anteriores à intervenção e 28% em relação ao mesmo período do ano passado. Foram 507 pessoas mortas em ações das forças de segurança durante os cinco meses de intervenção militar. Somente em junho de 2018 as forças policiais mataram 60% mais pessoas em comparação a junho de 2017.

A morte decorrente de intervenção policial é o novo nome para o auto de resistência - categoria utilizada pela polícia para assassinatos de pessoas que, em tese, resistiram à força policial durante suas ações. Entretanto, muitas organizações questionam pois a maior parte dessas mortes nunca é investigada e o auto de resistência já foi usado anteriormente para acobertar execuções sumárias da polícia. Devido a isso, no ano passado mães de vítimas da violência do estado apoiaram o Projeto de Lei 4471/2012, de autoria do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), que acabava com o auto de resistência.

Ao mesmo tempo, o relatório denuncia o aumento das queixas de violações de direitos humanos, abuso de autoridade dos militares durante as ações da intervenção e excesso de força. Um exemplo apontado no relatório foi o uso de disparos de fuzis feitos de helicópteros, que receberam o nome de “caveirões voadores”,  em direção à comunidade. Segundo uma publicação do Observatório da Intervenção, contido no relatório, agentes a bordo do “caveirão voador” deixaram mais de 160 marcas de tiros em áreas da Maré - incluindo ruas próximas à escolas.

“Na Rocinha, houve relatos confluentes de que agentes de segurança sequestraram uma família inteira dentro de sua própria residência, durante uma ação militar, e submeteram os moradores à tortura psicológica”, diz o relatório.

O Brasil de Fato já noticiou flagrantes de abuso de autoridade de militares durante ações em comunidades cariocas. No início deste mês, militares foram filmados agredindo um morador da Cidade de Deus. Na ocasião o Comando Militar do Leste determinou a abertura de um inquérito para apurar o fato, entretanto, até agora, o exército não divulgou nenhum resultado.

Contradições

O relatório também traz a falta de atenção dada pela mídia tradicional às denúncias de envolvimento de militares com o tráfico e a falta de explicações sobre os casos vindas do interventor. O documento cita especificamente dois casos.

“No dia 24 de fevereiro, um sargento do Exército foi preso na Avenida Brasil, na cidade do Rio, no acesso à Estrada do Mendanha, transportando drogas. No dia 18 de janeiro, um militar do Exército já havia sido preso enquanto transportava 19 fuzis, 45 pistolas, 54 tabletes de pasta base de cocaína, na Rodovia Presidente Dutra. Em nenhum dos casos, os interventores se manifestaram sobre eventuais relações entre seus soldados e o tráfico de drogas.”

Outra questão apontada no relatório é a falta de ações de inteligência que poderiam se mostrar mais efetivas nas operações da intervenção. Entretanto, a falta de transparência, planejamento claro e diálogo do governo com a sociedade antes e durante a intervenção têm mostrado os resultados.

“Foi durante esse processo que grupos de extermínio se sentiram à vontade para assassinar a vereadora Marielle Franco, e os aumentos das taxas de letalidade, tiroteios e chacinas que se espalham sem qualquer controle pelo Rio, escancaram que ou a Intervenção está sendo um tremendo fracasso, ou os objetivos realmente não são aqueles que foram divulgados”, diz o relatório.

O relatório também aponta que nem mesmo os indicadores da segurança pública melhoraram. O exemplo dado é o número de apreensões de fuzis, metralhadora e submetralhadoras que diminuiu. De fevereiro a maio de 2018 foram recolhidas 39% menos armas que no mesmo período de 2017.

Edição: Jaqueline Deister