O dado surpreende: cerca de 12 milhões de brasileiros estão abaixo da linha da pobreza extrema, ou seja, possuem renda per capita de menor que R$ 70 reais por mês, segundo levantamento da organização ActionAid Brasil.
Há tão somente quatro anos, em 2014, o Brasil havia comemorado sua saída da lista dos países que têm mais de 5% da população ingerindo uma menor quantidade de calorias do que o recomendável. O Mapa da Fome é elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) anualmente desde 1990.
Para os especialistas no assunto, as políticas públicas aplicadas durante os últimos anos, como a correção do salário-mínimo acima da inflação, a formalização do trabalho e as iniciativas que visavam uma maior distribuição da renda no país, além do incentivo à pequena agricultura, foram as principais responsáveis pelo sucesso no combate à fome. É o que opina o escritor e teólogo Frei Betto, um dos principais articuladores do programa Fome Zero, que ainda no primeiro mandato do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi o responsável por tirar mais de 40 milhões de brasileiros da pobreza extrema.
“A prioridade do primeiro mandato do Lula foi o combate à fome, foi lançado o programa Fome Zero, único programa de política pública no Brasil que teve unanimidade, todas as classes sociais se empolgaram com o programa e de alguma maneira queriam participar”, explica Frei Beto.
Segundo o Frei, não haveria possibilidade de avançar no combate à fome, se não houvesse uma determinação de todo o governo em atacar o problema de frente.
“Através dessas políticas públicas, desses programas sociais, somados à agricultura familiar, atenção à vacina das crianças, todo um processo de educação nutricional que se fez, principalmente na rede escolar, nos postos de saúde dos municípios Brasil, tudo isso fez com que se reduzisse drasticamente a fome no Brasil e retirasse o Brasil do Mapa da Fome”.
Mas de 2016 para cá o fantasma da fome voltou a assombrar a vida dos brasileiros e brasileiras. Segundo o coordenador executivo da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), Alexandre Pires, o vertiginoso crescimento dos níveis de desemprego, os cortes em benefícios sociais e o congelamento dos investimentos públicos em áreas sociais foram os principais fatores que impulsionaram o aumento da pobreza extrema no país.
"O que acontece de 2016 pra cá, com o golpe, é uma acentuação e cortes de recursos destinados a esses programas sociais. O programa PAA doações simultâneas foi cortado mais de 97% dos recursos para o orçamento de 2018, o programa de cisternas foi cortado também de forma substancial. Já se tem dado de mais de 1 milhão e 100 mil famílias que foram desvinculadas do programa Bolsa Família”, diz Alexandre Pires.
Dados levantados pela organização ActionAid Brasil, por meio do processamento de microdados de Pnads Contínuas (a partir de 2012) e de Pnads (de 1992 a 2011), revelam que 11,8 milhões de brasileiros estão em situação de extrema pobreza. Pires afirma que a extrema pobreza está intrinsecamente vincula à fome.
"As pessoas não conseguem garantir condições de alimentação suficiente para viver", avalia.
Frente aos dados alarmantes, a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) realiza de 27 de julho a 5 de agosto uma caravana que percorrerá mais de quatro mil quilômetros para registrar e denunciar a volta da fome no Brasil. O roteiro começa em Caetés (PE), e terá paradas estratégicas em Feira de Santana (BA), Guararema (SP), Curitiba (PR) até o destino final Brasília (DF), no dia 05 de agosto, onde a caravana pretende denunciar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em cada cidade haverá ações organizadas pelos movimentos e entidades locais como debates em universidades, feiras, atos de rua, reunindo milhares de pessoas.
Para financiar a caravana Semiárido Contra a Fome, foi criada uma campanha de financiamento coletivo na internet. Os recursos custeiam logística, hospedagem e alimentação de cerca de 90 pessoas, entre agricultores e agricultoras, lideranças, técnicos e jornalistas.
Golpe na agricultura familiar
Outro fator relevante no aumento dos níveis de pobreza extrema no Brasil foram os cortes especificamente nas áreas destinadas ao desenvolvimento social e agrário. Somente o programa de promoção da inclusão produtiva de famílias em situação de pobreza extrema, criado pelo Ministério de Desenvolvimento Social, teve um corte de mais de 25% do orçamento em 2018.
Na mesma linha, os recursos destinados à assistência técnica para os produtores rurais passou de mais de R$ 600 mil em 2015 para pouco mais de R$ 200 mil em 2018. Também as subvenções para a produção agrícola familiar tiveram cortes ao redor de 36% de 2016 a 2018.
Edição: Juca Guimarães