A cidade que organiza e sedia o Festival Internacional da Utopia é conhecida por tentar colocar em prática tal conceito ideal de sociedade. É o que afirma a Prefeitura de Maricá, município do Rio de Janeiro, que na última década vem implementando uma série de políticas públicas de bem estar social, culminando na própria realização da segunda edição do Festival.
Maricá foi a cidade fluminense que mais recebeu royalties do petróleo em 2017, uma soma que ultrapassa os R$ 680 milhões. Entre as principais medidas contempladas pelo recurso, e que destacam a cidade dos demais municípios do país, está a tarifa zero no transporte público, inaugurada durante o início do segundo mandato do governo de seu ex-prefeito, Washington Quaquá (PT), por meio da criação da Empresa Pública de Transporte (EPT). A iniciativa da criação da empresa é pioneira no país e tornou Maricá a única cidade brasileira com mais de 100 mil habitantes que não cobra tarifa aos usuários de transporte público.
A operadora de caixa Talita Pereira, que mora no bairro Balneário Bambuí, a 40 minutos do centro de Maricá, é uma dos mais de 15 mil usuários beneficiados diariamente pelo ônibus público, conhecido como “vermelhinho”.
“Antes do 'vermelhinho' estar circulando tinham outras formas de transporte nas quais gastávamos R$ 2,60, e sempre dava problemas, deixava a gente na mão. A vinda do vermelhinho adiantou muito a nossa vida, tanto por conta do valor, e também porque é um transporte bom. Então está sendo bem útil para gente. A pessoa que sempre está usando o 'vermelhinho' economiza bastante”, conta.
De acordo com Lourival Casula, presidente da EPT, já são 88 “vermelhinhos” na frota da cidade, mas a Prefeitura pretende adquirir mais 25, para contemplar a grande extensão territorial de 362 km² da cidade.
“O transporte não só é um direito, mas é uma obrigação do Estado fornecer. O transporte já está sendo cobrado na mão de obra, quando o trabalhador presta serviço já está pagando o transporte. Quando sai para passear, já deve estar com a passagem paga. Eu não sei se falta vontade política para implementar a tarifa zero em outras cidades, eu sei que aqui teve e funcionou. Às vezes as pessoas acham que é impossível, mas nosso município está aí para provar que é possível”, afirmou.
Moeda social
A auxiliar de serviços gerais Maria de Fátima Oliveira mora no bairro de Figueira, a 25 minutos de seu trabalho no centro de Maricá, e relata que além da tarifa zero, foi beneficiada por outra política pública inovadora da cidade: a moeda social Mumbuca.
“Antes eu gastava R$ 5,40 todos os dias com transporte, e esse dinheiro já pode ser economizado na renda familiar. Tem famílias que não têm renda, com muitas pessoas idosas, e tinham que gastar muito dinheiro com transporte. Agora o 'vermelhinho' e o cartão Mumbuca estão favorecendo muito a gente aqui de Maricá. Com ele eu compro legumes, frutas e remédios, o que já deixa a renda mais folgada”, disse.
A moeda Mumbuca surgiu em 2013, como um programa de transferência de renda mínima para famílias que tem como renda até três salários mínimos, são beneficiárias do programa Bolsa Família e possuem Cadastro Único no Governo Federal. Hoje, 11 mil famílias de Maricá recebem R$ 130 mensais, em uma moeda paralela que é aceita por pelo menos 700 comerciantes na cidade. O programa se expandiu para o Banco Público Mumbuca, que pode ser acessado por aplicativo pelos smartphones, e oferece possibilidades de transferência com taxas mais baixas do que as privadas, além de crédito sem juros.
Segundo Diego Zeidan, secretário de Economia Solidária de Maricá, órgão responsável pela implementação da moeda, o Banco Mumbuca foi criado como uma possibilidade de oposição ao sistema financeiro e é o único banco comunitário em todo o país oficialmente apoiado pelo governo municipal.
“Esse programa visa fomentar a economia local, porque esse dinheiro pago pelo programa que circula com a moeda só é aceita no comércio local. O Banco Mumbuca é um banco da comunidade, não está à mercê do capital internacional. É uma lógica que tenta fugir da tradicional, construindo um sistema financeiro que foge do grande capital, que compra governo, compra políticos e vê as pessoas como um meio de lucro. É uma economia voltada para as pessoas, e não para o dinheiro”, afirmou.
O Banco Mumbuca é responsável por políticas como a transferência de R$ 300 para as populações indígenas de Maricá, como forma de reparação histórica, e o projeto Mumbuca Futuro, uma espécie de bolsa anual de R$ 1200 para estudantes da rede pública, que poderá ser sacada após a formatura do ensino médio, servindo como uma espécie de renda básica e podendo ser investida em projetos de empreendedorismo ou no acesso ao ensino superior.
Hortas agroecológicas
Além da tarifa zero e do Banco Mumbuca, Zeidan destaca outras políticas públicas que estão em processo de implementação, como um projeto de hortas comunitárias para a produção agroecológica nos bairros da cidade.
Para o atual prefeito de Maricá, Fabiano Horta (PT), que marcou presença no ato de abertura do 2º Festival Internacional da Utopia na quinta-feira (22), as políticas públicas de Maricá devem ser exportadas para outras cidades do Brasil e do mundo.
"Maricá tem um conjunto de ações inventivas que projetam referências para o futuro. Aqui em Maricá vamos completar um ciclo de 10 anos administrando a cidade e invertendo a lógica social do domínio. Os grupos econômicos que se sobrepunham à cidade e inviabilizavam um desenvolvimento social e econômico foram enfrentados. Queremos transpor esses saberes. O Festival da Utopia existe para discutirmos, acima de tudo, nossa própria humanidade, e construir um senso crítico sobre esse tempo difícil que temos vivido e só vamos superar lançado luz sobre o Brasil”, afirmou.
O 2º Festival Internacional da Utopia acontece até o domingo (22), trazendo shows, debates e produtos da reforma agrária para a população local e visitantes.
Edição: Mariana Pitasse